segunda-feira, 4 de julho de 2011

Uma relação proibida na Braga de 1904


Se nos tempos actuais a diversidade de relações amorosas é aceite social e/ou juridicamente nas sociedades europeias, até recentemente, fruto de sociedades de pendor tradicionalista, as relações amorosas que escapassem do âmago do casamento, na maioria dos casos estabelecidos como manutenção do status quo social e financeiro, eram reprimidas social e juridicamente, como se pode ver pela forma como eram mal aceites os casamentos entre pessoas de estratos sociais diferentes ou as relações extra-matrimoniais.
Na maioria dos casos a vergonha e decoro social impediam que estes casos fossem discutidos abertamente na praça pública. Contudo, por vezes, fruto do destaque dos protagonistas ou pelo abalo que estes casos adquiriam, alguns extravasavam para a discussão pública. O caso que esta crónica relata, provavelmente verídica nos seus traços gerais, é mesmo disto exemplo.
Deixando lavrado o seu lado desta história - como reacção à publicação de um comunicado de 1 de Julho de 1904, no portuense “Primeiro de Janeiro”, pelo co-protagonista Alferes Salustiano de Sousa Correia (do Infantaria 8), que esta considerava como sendo “um conjunto de falsidades” -, uma das co-protagonistas, a suíça Matilde Fritschi Oehen, num “Instrumento de Declaração” do mesmo dia, realizado na sua casa (onde se sediava igualmente a “Pastelaria Suíça e Portuguesa”) e na presença do notário bracarense António Cândido Vieira Araújo e de quatro testemunhas suas vizinhas, confessava-se aí “intimamente arrependida da sua falta”.
Considerando o Alferes Salustiano como único responsável por esta ter abandonado o seu marido João Oehen, segundo a sua versão, este com o intuito de a conquistar, ao frequentar assiduamente a sua pastelaria, começou por insinuar que se seu marido não lhe “oferecia a existência livre e desafogada que ela deveria ter”, ele poderia oferecer tal desafogo, mas com a condicionante que ela o acompanhasse. Subindo a parada neste jogo de sedução, e “conhecendo-se já um pouco senhor do espírito fraco da declarante”, convidou-a a acompanhá-lo em passeios matutinos, sendo este convite primeiramente recusado mas posteriormente aceite. No seguimento destes passeios, dados pelos arrabaldes da cidade de Braga, o Alferes procurou “estar a sós com a declarante e profanar-lhe o próprio lar”. Esta profanação, de acordo com a própria, deu-se numa noite em que, após o Alferes oferecer um bilhete de teatro a seu marido como meio de o retirar do caminho, “como tivesse a certeza de o ter seguro, voltou ou veio à pastelaria e, entrando num dos gabinetes, para lá atraiu a declarante, sendo esse o prelúdio desta triste história”.
Após este facto consumado, à uma da manhã de vinte e sete de Junho de 1904, Matilde, abandonando o seu lar e seu marido que então dormia, “a conselho e instigações do referido Alferes (…) segundo o plano traçado por ele”, e levando consigo uma sua filha de 14 meses, encontrou-se com este, ficando ambos hospedados num hotel à espera do comboio da manhã seguinte para o Porto, tendo no dia anterior o Alferes despachado a bagagem. Aí chegados, hospedaram-se no Hotel Portuense sob nomes falsos.
Perante os parâmetros deste caso, a imprensa bracarense e possivelmente portuense dedicou-lhe algumas alusões, tendo o “Comércio do Minho” na sua edição de vinte e oito de Junho relatado este caso como uma fuga, referindo ainda como e para onde se tinham dirigido os protagonistas, e que, devido à queixa apresentada pelo seu marido, tinham sido “tomadas medidas para capturar a fugitiva”.
Tais medidas levaram a que polícia civil, pelas onze horas da manhã do dia vinte e oito de Junho, a detivesse no Hotel Portuense, impedindo-a assim de regressar a Braga e ao seu marido, como tinha planeado fazer, motivada por um jornal que o Alferes nessa mesma manhã lhe tinha mostrado, onde se relatava o seu rapto e as medidas tomadas pelo seu marido para a encontrar.
Conduzida à esquadra policial, para prestar declarações, no que foi sempre acompanhada pelo Alferes, dirigindo-se com ela, igualmente, para a Gare de São Bento, “aconselhando-a, ainda aí, a que não continuasse em companhia do marido”.
Acabando o seu “Instrumento de Declaração”, Matilde refutou as acusações, feitas no comunicado do Alferes, da sua suposta intenção de falar com o Cônsul suíço no Porto ou “a afirmação dos ralhos e maus tratos por parte do marido, pois nunca sofreu dele a menor afronta, a não ser esses pequenos nadas que se dão em todos os lares”, confirmando somente que teria aceitado dois mil reis, dados pelo Alferes, para o bilhete de comboio.
Se João Oehen, segundo notícia do “Comércio do Minho” de 2 de Julho, apresentou queixa, ao Comandante do Infantaria 8, pelo comportamento do Alferes neste caso, é de se perguntar, perante este escândalo público, como teria ficado o casamento dos Oehens no curto e médio prazo. Contudo, se por interesse ou se por amor puro, o que é facto é que este mesmo casal continuaria junto, chegando a ter uma nova filha passados seis anos após este caso.

Guimarães em Tempo de Guerra IX

Com o fim da Guerra Civil e com a tomada de poder pelos liberais começaram a ser implementadas algumas medidas que iriam transformar profundamente a sociedade. Contudo os liberais não eram uma massa homogénea e divergiam em diversas matérias. Uma dessas matérias era a Constituição. Havia uma divisão profunda entre aqueles que defendiam a Carta Constitucional e aqueles que defendiam a Constituição de 1822.

No dia 9 de Setembro de 1836, em Lisboa, a Guarda Nacional tomava o poder e proclamava a Constituição de 1822. Era a Revolução de Setembro. Apadrinhada por alguns políticos com prestígio como Manuel da Silva Passos (conhecido por Passos Manuel) e António Vieira de Castro (natural da Casa do Ermo, em Fafe), o setembrismo iria durar alguns anos, caracterizando-se por uma agitação quase permanente.

Quando a notícia da Revolução de Setembro chegou a Guimarães não entusiasmou quase ninguém. Nas palavras de um contemporâneo “mais parecia função de enterro do que de regozijo”. A vila parecia indiferente ao sucedido, mas cedo as coisas iriam mudar. As divisões na sociedade eram notórias. Os setembristas (conhecidos por “mijados”) estavam divididos em duas alas, uma mais radical e outra mais moderada. Os cartistas (conhecidos por “chamorros”) defendiam a Carta Constitucional de 1826, queriam acabar com o setembrismo e abolir a Constituição de 1822 posta em vigor pela Revolução de Setembro. E por fim ainda subsistiam miguelistas que, como é sabido, queriam acabar com o liberalismo…

Foi no meio desta confusão que em 1838 se convocaram eleições. Em Guimarães, os setembristas tinham poucas hipóteses de ganhar as eleições e pareceu-lhes razoável sabotar o acto eleitoral. À cabeça dos setembristas vimaranenses estava o deputado José Fortunato Ferreira de Castro e o General da Província Barão de Almargem. Mas, como é lógico, não foram estes dois homens que encabeçaram o motim em que se sabotaram as eleições. Para esse fim chamaram Frei Domingos “Pedreira”, um conhecido “façanhudo”, que em troca do serviço encomendado pediu a eleição do seu irmão (Frei Manuel dos Prazeres e Silva) como deputado. Com este acordo firmado, o Frade convenceu o Regimento 18 aquartelado em Guimarães a dirigir-se à paisana ao largo da Oliveira, onde se iria proceder à contagem dos votos. A tarefa de convencer um Regimento a agir desta maneira poderá ter sido mais fácil do que à primeira vista possa parecer. E foi-o, em primeiro lugar, porque os soldados sabiam ter a protecção do General da Província e, em segundo lugar, estes soldados, por razões que desconhecemos, já tinham tentado assassinar o seu Coronel, o que nos leva a crer que, para além da disciplina não ser o forte daqueles militares, qualquer acção que vexasse o seu Coronel seria para aquela gente motivo de satisfação.

Na altura da contagem dos votos, na Praça da Oliveira, tudo parecia estar sossegado. Mas a acalmia iria durar pouco. Segundo um relato da época, no meio da multidão que assistia ao acto apareceu “Frei Domingos Pedreira, com uma clavina em uma mão e uma espada na outra entrando a dizer: leva a riba, morram os traidores!. Aí principiaram alguns soldados do nº 18 (disfarçados em paisanos) a dar pancadas naqueles que eram chamorros, e ao mesmo tempo que estes malvados espancavam desapiedadamente cidadãos probos, subiram outros pela casa da câmara acima e depois de espancarem alguns portadores das Actas, que acompanhavam a Meza, lançaram mão da urna e mais papéis pertencentes à eleição e fugiram com ela para o terreiro da Misericórdia, aonde um célebre filho do Domingos José Soares, os reduziu a cinzas. Assim terminou este acto, que, pelas leis, devia ser respeitado tendo em resultado o ficarem algumas pessoas feridas”.

Os setembristas quase levaram a melhor nestas eleições. Com o roubo dos “papéis” que não interessavam falsificaram-se as eleições e José Fortunato Ferreira de Castro sairia eleito deputado. O Frei Domingos não teria tanta sorte pois Ferreira de Castro não cumpriria o combinado, ficando o irmão do frade apenas como deputado substituto. Contudo, em Lisboa, ao saber-se da sabotagem e do escândalo as eleições foram anuladas.

Em 1839 o setembrismo já começava a definhar um pouco por todo o país. Em Guimarães, nesse mesmo ano, morria assassinado Frei Domingos, possivelmente por motivos políticos. Com o final do setembrismo, em 1842, o país pedia paz. Mas quatro anos depois chegava a Maria da Fonte.

Guimarães em Tempo de Guerra VIII

Guimarães, 1832, auge da Guerra Civil. Nos arredores de Guimarães os homens de D. Miguel combatem as guerrilhas dos constitucionais. Em Guimarães vive-se com medo. Os boatos sobre a entrada das guerrilhas na Vila deixam em sobressalto a população. Qualquer ruído ou agitação fora do normal assusta os vimaranenses, que tudo associam à guerra. Na Rua de Santo António, as patadas “de uma besta” (provavelmente um cavalo) no chão de uma loja são confundidas com tiros, fazendo fugir soldados miguelistas.

Em Fafe as guerrilhas constitucionais aclamam D. Maria como Rainha, alarmando os miguelistas da região. Em Guimarães, no Toural, aparece um frade franciscano (o Mestre Braga), miguelista. Trás um tambor que toca para reunir a população, que instiga a pegar em armas a favor de D. Miguel. Quase ninguém lhe ligou e, em duas horas, foi forçado a deixar a Vila.

Aos hospitais de Guimarães chegam centenas soldados de D. Miguel feridos durante o Cerco do Porto. Amontoam-se nos hospitais que parecem não ter capacidade para tratar tanta gente. No Hospital da Venerável Ordem Terceira de São Francisco, dois soldados doentes envolvem-se numa luta, acabando um deles morto à facada. Os hospitais de Guimarães estão lotados e algumas casas particulares transformam-se em hospitais.

No dia 24 de Janeiro de 1833, houve-se em Guimarães um barulho ensurdecedor: era uma esquadra de navios que estava na barra do Douro a responsável pelo “fogo de artilharia” que se ouvia em Guimarães.

De Guimarães continuavam a sair regularmente centenas de homens que iam combater os constitucionais nos arredores da Vila e no Porto. Para além dos homens saiam também dez carros de pão por dia para alimentar as tropas de D. Miguel e diversos géneros indispensáveis ao esforço de guerra miguelista. A população estava cansada da guerra, mas, segundo uma efeméride coeva, quando a 20 de Maio de 1833, entra inesperadamente em Guimarães D. Miguel “houve imensos repiques de sinos, foguetes no ar e cobertores nas janelas, havendo muitos vivas [e] à noite houve iluminação geral”. A festa seria curta, pois D. Miguel rapidamente deixaria Guimarães.

No Porto os combates entre miguelistas e constitucionais continuavam dia após dia e a Guimarães iam chegando cada vez mais feridos que, ao que parece, mal se encontravam restabelecidos estavam prontos para causar distúrbios.

De volta ao Toural e a Guimarães estava o Frade Mestre Braga, que, a 30 de Novembro de 1833, do púlpito da Igreja de São Pedro, insultava D. Pedro e os constitucionais tentando, mais uma vez, mobilizar mais vimaranenses para o exército de D. Miguel. Na verdade, no final do ano de 1833, a situação para os miguelistas vimaranenses começava a ser preocupante. De vários lados começavam a chegar notícias de terem sido avistadas “guerrilhas constitucionais” perto de Guimarães. Para combater estas guerrilhas eram enviadas as poucas patrulhas de Voluntários Realistas que raramente conseguiam sucessos.

A 23 de Março de 1834 o General Barão de Vila Pouca – até então partidário de D. Miguel – recebe ordem de prisão por se suspeitar que apoiava os constitucionais. Ao dirigir-se à Casa de Vila Pouca para deter o Barão, o meirinho encarregado da tarefa não o consegue capturar. O Barão tinha fugido e corria o boato que se tinha juntado à guerrilha constitucional de Vieira do Minho. O boato era verdadeiro, porque a 24 de Março de 1834 o Barão de Vila Pouca onde proclamava como rainha D. Maria II…

Nos finais de Março, em Santo Tirso, entrava uma parte do exército de D. Maria II, desbaratando os homens de D. Miguel que ainda lá se encontravam. Alguns soldados miguelistas puseram-se em fuga para Guimarães, onde procuraram refugio e assistência. Por esta altura os miguelistas vimaranenses tremiam e punham-se em fuga. Tinham razões para o fazer. A 27 de Março de 1834 entrava em Guimarães o General Barão do Pico do Celeiro, comandando uma divisão constitucional.

Guimarães tinha caído nas mãos dos constitucionais e os miguelistas estavam definitivamente derrotados. No dia 28 de Março era aclamada em Guimarães D. Maria II e é formada uma nova Câmara Municipal, com membros afectos à nova Rainha.

A Guerra Civil estava prestes a terminar, mas os anos que se seguiriam seriam muito turbulentos…

Guimarães em Tempo de Guerra VII


Com o fim da Guerra Civil, chegaram a Guimarães muitos dos constitucionais que tinha estado presos em diversos pontos do país e do globo. Vinham dos mortíferos presídios de África, dos exílios mais ou menos dourados na Europa e, na sua grande maioria, das diversas cadeias miguelistas em Portugal. Estes prisioneiros, militares e políticos, chegavam a Guimarães após longos anos de sofrimentos e perdas irreparáveis. A título de exemplo podemos referir os casos do Capitão de Milícias Inácio Moniz Coelho da Silva e do Tenente de Milícias José Manuel da Costa. O primeiro, grande proprietário, descendente de uma ilustre Casa de Celorico de Basto (Casa da Veiga), viu-se pronunciado na “Devassa de 1828”, foi capturado, privado de todas as suas honras e privilégios e condenado a ser levado pelas ruas do Porto com um pregão, em direcção à forca onde deveria morrer (a cabeça, após o enforcamento, deveria ser cortada e exposta no Toural, numa estaca, durante três dias). A sua pena foi comutada em degredo para Inhambane (Moçambique) onde esteve de 1828 até 1837, altura em que conseguiu regressar a Guimarães. O segundo, botequineiro no Toural, foi capturado em 1828, tendo estado preso em Braga e Guimarães. Em Guimarães, na cadeia, soube da notícia da morte da sua mulher e do seu pai (deixando os seus filhos a cargo de um amigo), pouco tempo antes de ser transferido para a prisão da Covilhã onde ficou até 1834.

Quando estes e muitos outros homens chegaram a Guimarães os seus sentimentos eram dúbios. Se por um lado tinham vontade de regressar para suas casas e para junto de suas famílias, por outro lado havia neles um desejo de vingança para com aqueles que os tinham denunciado ou capturado. Nos anos que se seguiram à Guerra Civil, deram-se diversos casos de violências contra os miguelistas que permaneceram em Guimarães. Algumas das vinganças mais violentas, chocaram Guimarães, tendo sido anotadas pelo Cónego Pereira Lopes Lima (já referido nestas crónicas). Vejamos alguns casos:

19/04/1834 -“Foram alguns indivíduos a casa do Mendes, mercador, morador atrás do Tanque e lhe deram muitas espadadas e facadas, cortando-lhe até o nariz. Foi por ele ser testemunha contra alguns constitucionais na Devassa de 1828”.

20/06/1834 – “De noite indo o padre José Dionísio e o Coelho Bombeiro, sargento de caçadores 12, a casa de José Pasteleiro, à Rua de Donães, e tendo o supradito padre tirado satisfação com o José Pasteleiro por ele ter jurado contra ele por constitucional, e até tendo-o ferido com uma espada, o José Pasteleiro pegou em uma clavina que tinha atrás da porta e deu um tiro, do qual matou o tal Coelho, fugindo o pasteleiro ferido e muito mal tratado. Depois deste fatal acontecimento acudiu muito povo e voluntários do batalhão móvel e entraram na casa do Pasteleiro e lhe roubaram quase tudo, deitando fogo à casa que, por logo acudirem, não progrediu. (….)O defunto sargento, homem que tinha feito grandes serviços à causa constitucional, tendo entrada em quase todas as acções, estava à espera de sair oficial. Foi sepultado na tarde do dia seguinte no Campo Santo.”

21/06/1834 -“Deram umas poucas de facadas em um homem, na Rua de S. Domingos, por ter jurado contra constitucionais. Foi para o hospital quasi morto. Chamava-se "O Seco", e morava em S. Lázaro”

Para além destas vinganças levadas a cabo pelos constitucionais, Guimarães vivia momentos de autentico caos.O assassinato de um membro do Batalhão Móvel de Guimarães (corpo formado por constitucionais) parece demonstrar que apesar do clima de terror imposto pelos constitucionais, havia quem lhes fizesse frente e, acima de tudo, revela o clima de desordem que se vivia. O caso, de contornos bastante estranhos, deu-se da seguinte forma: “Na portaria das freiras Capuchas apareceu morto um voluntário do batalhão móvel desta vila, com os testículos negros e esmagados, pelo que se presumiu que lhos esmagaram”.

Não eram só as vinganças que marcavam a actualidade de então. Os constitucionais queriam receber indemnizações pelos danos sofridos durante o período de domínio miguelista. E queriam, também, aceder aos cargos e empregos até então ocupados pelos partidários de D. Miguel.

Pouco tempo depois de vencerem a guerra, os constitucionais começavam a batalhar entre si, pela justiça, pelos empregos e pela política.


(na imagem José Manuel da Costa, Tenente de Milícias e dono do Botequim do Vago-Mestre no Toural)

Guimarães em Tempo de Guerra VI


Em 1829, com o auge da Guerra Civil a aproximar-se, vivia-se um clima de profunda divisão política. Como já referi, as rivalidades políticas estavam em todo o lado: nas instituições, nas ruas e até nas famílias.

Na Santa Casa da Misericórdia de Guimarães, por exemplo, o Provedor Fortunato Cardoso de Menezes Barreto (Major do Batalhão de Voluntários Realistas e um dos mais acérrimos miguelistas vimaranenses), propôs, a 17 de Março de 1829, a expulsão do cónego João Baptista Gonçalves, de José Fortunato Ferreira de Castro, de Joaquim Pinto Teixeira de Carvalho, de Jerónimo Vaz Vieira de Melo e Alvim (Fidalgo do Toural), de Manuel José Ferreira Marranico, de José Joaquim de Sousa Peralta, de Mateus de Passos Lima e de Domingos José Soares, por não haver “notícia certa da sua estada, ou domicílio” (estavam fugidos) e por ser “público e bem notório que todos estes se achavam envolvidos em crimes políticos, e alguns já presos por matéria de rebelião, contra a Augusta Soberania de El-rei o senhor D. Miguel I Nosso Senhor”. A Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira ficaria sem o seu Cónego Mestre-Escola, João Manuel da Guerra, preso por ser constitucional em 1828. Cerca de um ano depois, em Julho de 1829, os Cónegos da Colegiada (à época todos miguelistas) recebem de D. Miguel a medalha com a sua Real Efígie, sendo desta forma premiada a sua fidelidade ao Rei.

Nas ruas a violência continuava e existem diversos relatos de constitucionais mortos ou espancados a pretexto das suas “opiniões políticas”. Entretanto, iam chegando notícias das mortes nas prisões miguelistas, deixando muitas famílias enlutadas. Era precisamente no seio famílias que a expressão “guerra fratricida” fazia mais sentido. Várias foram as famílias que, durante este período, se viram divididas por questões políticas. Os irmãos Henrique e Domingos Cardoso de Macedo (Casa de Margaride) foram um desses casos, embora sem consequências de maior. Henrique era apoiante dos liberais e Domingos era miguelista e Capitão-Mór de Guimarães, tendo a seu cargo a responsabilidade de prender os constitucionais fugidos ou pronunciados. Tanto quanto se sabe, terá sido moderado para com o seu irmão mais novo, não o prendendo ou desamparado.

Muitas destas famílias, vendo os seus filhos presos pelos Miguelistas, não hesitavam em dar donativos, em dinheiro ou em géneros, ao exército de D. Miguel. Se é certo que umas o faziam por pressões (quem tivesse possibilidades e se recusasse a contribuir para o exército miguelista ficaria mal visto), outras faziam-no por convicções políticas, que mantinham apesar de verem presos os seus parentes. Um dos casos mais paradigmáticos destes antagonismos políticos no seio das famílias foi o de Damião Pereira da Silva de Sousa e Menezes. Sendo Juiz de Fora em Guimarães no ano de 1828, ordenou a prisão de centenas de constitucionais vimaranenses. D. Miguel, reconhecendo os seus serviços e fidelidade, concedeu-lhe a Medalha de Sua Real Efígie em 1829. Continuou a bater-se por D. Miguel e pelos valores em que acreditava. Contudo, terá ficado chocado, quando soube que o seu tio Francisco Sousa e Menezes, tinha sido assassinado à machadada por miguelistas na cadeia de Estremoz, onde se encontrava preso por opiniões políticas…

Apesar das prisões políticas e da violência nas ruas, a Guerra Civil ainda não tinha atingido o seu auge. Mas a oito de Julho de 1832, as tropas afectas a D. Pedro desembarcavam na praia de Pampelido. A nove do mesmo mês já estavam no Porto. Pouco tempo depois, o Porto encontrava-se praticamente cercado pelas tropas miguelistas. Assim se atingia o ponto alto da Guerra Civil.

Por esta altura sairiam de Guimarães centenas de homens para auxiliarem o exército miguelista nos combates com as tropas liberais. Muitos dos que voltavam para Guimarães, davam entrada no Hospital da Santa Casa da Misericórdia, gravemente feridos ou doentes. Na Vila de Guimarães ouvia-se regularmente “fogo para as partes do Porto”. A população vivia em sobressalto constante, ao ver as levas de homens que saiam para combater as “guerrilhas” constitucionais que actuavam na Falperra e nas serranias de Fafe. Os tempos eram de Guerra.

Guimarães em Tempo de Guerra V

No ano de 1828, em Guimarães, o medo estava instalado no seio dos apoiantes do liberalismo. O Juiz de Fora, Damião Pereira da Silva Sousa e Menezes, tinha iniciado um “Auto de Devassa” onde foi dada ordem de prisão e de apreensão de bens a mais de cem vimaranenses ligados à causa constitucional.

Pelas ruas de Guimarães desfilavam, por esta altura, levas de presos constitucionais em direcção às diversas cadeias miguelistas. Eram, por regra, insultados pela população e iam algemados, em fila e atados com cordas, para a humilhação ser maior.

Muitos daqueles que tinham fugido depois da revolta falhada de 16 de Maio de 1828 tentavam agora refugiar-se no interior do país e até nas grandes cidades, tentando passar desapercebidos. Assim aconteceu a José de Sousa Bandeira, proprietário do incendiário jornal constitucional “Azemel Vimaranense”. Bandeira, que se encontrava escondido no Porto, foi capturado e condenado à morte, tendo sido a sua pena comutada em degredo. O antigo Capitão de Milícias de Guimarães, Inácio Moniz Coelho, viria a ter igual sorte. Refugiado na sua quinta em Basto (Casa da Veiga), seria capturado e sentenciado à forca, devendo a sua cabeça, logo após o enforcamento, ser cortada e colocada num poste na praça do Toural. A sua pena também seria comutada em degredo perpétuo para Inhambane (e para ali foi, tendo regressado a Guimarães em 1837).

As perseguições e prisões não faziam distinções de classe social ou de género, como se pode ver pelos casos acima referidos. Exemplo disso foi o sucedido com uma mulher, Francisca Teresa, que se atreveu, em pleno Toural, a proferir expressões “sediciosas e anárquicas” contra D. Miguel. Foi capturada e condenada a cinco anos de degredo para Cabo Verde.

Nas ruas, o clima era de insegurança para os poucos constitucionais que ainda estavam na cidade. A 14 de Setembro de 1829, foram espancados diversos constitucionais no Toural e noutras partes da Vila. Entre eles estavam o Bacharel José Ferreira Alves Costa e o também Bacharel e Cavaleiro da Ordem de Cristo Henrique Navarro de Andrade. A fama de se ser apoiante do “sistema constitucional” era suficiente para se ser vítima das mais diversas violências. Durante este período não foram raras as vezes em que se encontraram mortos nas ruas, vítimas de espancamentos ou assassinados das mais variadas formas, recaindo as suspeitas sobre os apoiantes de D. Miguel. Contudo sabe-se que, nesta época, a política foi usada como pretexto para acertar contas antigas, havendo dúvidas sobre os verdadeiros motivos que levaram a estas mortes. Se as ruas não eram um lugar seguro para os constitucionais, as suas próprias casas também não o eram. Entre 1829 e 1830, foram efectuadas buscas em diversas casas de constitucionais vimaranenses, com o intuito de prender aqueles que estavam fugidos à justiça. Os relatos de que temos conhecimento demonstram que essas buscas eram, por regra, infrutíferas. A explicação passará, certamente, pelo facto de as próprias casas em que os constitucionais residiam, sendo um local óbvio para efectuar uma busca, não serem mais do que uma solução de último recurso. Por outro lado, nas aldeias mais remotas do termo de Guimarães começavam a entrar em acção pequenas guerrilhas de constitucionais que, muito provavelmente, eram constituídas por aqueles a quem tinha sido dada ordem de prisão e que tinham saído de Guimarães. Nesta fase, as acções destas guerrilhas limitavam-se a causar pequenos distúrbios ou a tentar causar algumas baixas nos “Batalhões de Voluntários Realistas” (afectos a D. Miguel) que faziam o “policiamento” do termo de Guimarães, tentando capturar presos fugidos, ou constitucionais “desaparecidos”. Um exemplo caricato do papel destas guerrilhas. datado de 16 de Março de 1830, chega-nos através de um contemporâneo já mencionado nestes textos (o Cónego Pereira Lopes Lima) e diz-nos que “na ponte de Bouças, perto de Fafe, apareceu uma partida de constitucionais fazendo com que todos os passageiros dessem vivas ao sr. D. Pedro”. O episódio desta “aclamação” de D. Pedro em Bouças mostra a irrelevância de muitos dos actos destas guerrilhas (a região era, de facto dominada pelo Exército de D. Miguel), mas também demonstra uma certa capacidade de resistência e vontade de batalhar que, num futuro próximo, viria a ter algum impacto a nível local.

Se nos arredores de Guimarães as guerrilhas causavam alguns distúrbios e davam guarida aos constitucionais fugidos, na vila de Guimarães continuavam a desfilar pelas principais praças e ruas dezenas de presos por opiniões políticas, que iam sendo transferidos para as mais variadas prisões do país.

As diversas prisões efectuadas durante este período, não conseguiram solucionar um problema que dividia profundamente a sociedade portuguesa de então. As rivalidades políticas estavam em todo o lado: nas ruas, na Igreja e dentro das próprias famílias que, não raras vezes, alimentavam no seu seio profundos antagonismos políticos.

Guimarães em Tempo de Guerra IV


Foi com pequenas escaramuças que se começou a sentir o princípio da Guerra Civil em Guimarães. Em 1826, liberais e absolutistas defrontavam-se pelas ruas das cidades portuguesas, deixando antever o que iriam ser os anos seguintes para Portugal.

Em 1827 os dois irmãos, D. Miguel e D. Pedro, chegariam a um acordo e D. Miguel seria nomeado regente de Portugal (isto após ter jurado a Carta Constitucional e se ter comprometido a casar com a sua sobrinha, D. Maria). O regresso de D. Miguel a Portugal, agora como regente, deixou ficar muitos dos constitucionais apreensivos. Contudo, alguns dos constitucionais vimaranenses mais optimistas, chegaram mesmo a levantar uma bandeira no Toural para comemorar a chegada de D. Miguel ao reino e o juramento da Carta Constitucional. A 31 de Janeiro de 1827 D. Miguel é aclamado em Guimarães como Rei de Portugal.

À medida que o ano de 1828 ia avançando, tornava-se claro que D. Miguel não tencionava cumprir as suas promessas. Ao dissolver a Câmara dos Deputados, em Março de 28, D. Miguel passava por cima da Carta e acabava com as ilusões dos poucos constitucionais que acreditavam nas suas boas intenções. Pouco tempo depois, em Maio, convocaria as Cortes à maneira antiga, não deixando dúvidas aos constitucionais sobre aquilo que pretendia.

Em Guimarães, os absolutistas celebravam o regresso do seu Rei, saindo à rua em festa, entre repiques de sinos e foguetório. Os constitucionais, inconformados com a situação, conspiravam em diversos pontos da vila. Quando a 16 de Maio de 1828 se dá um pronunciamento militar no Porto, os constitucionais vimaranenses apressaram-se a juntar-se aos militares revoltosos.

No dia 1 de Junho, após a entrada do Cavalaria 12 em Guimarães, D. Pedro IV era aclamado como rei, sendo o auto de aclamação assinado por 94 pessoas das quais 55 eram militares. No dia 7 do mesmo mês, Jerónimo Vaz Vieira de Melo e Alvim e Nápoles (um dos maiores apoiantes do liberalismo vimaranenses, também conhecido por “fidalgo do Toural”), na qualidade de comandante do 4º Batalhão de Voluntários Reais de D. Pedro IV, chamava o povo às armas, convidando-o a alistar-se no referido Batalhão. O “fidalgo do Toural” tinha razões para o fazer, pois não se avizinhavam tempos fáceis e eram necessários homens para a guerra.

Nos finais de Junho, Guimarães cairia, sem grande resistência, nas mãos dos absolutistas, com a entrada na vila do Coronel Raimundo José Pinheiro. No dia 27 era a vez dos constitucionais tomarem o poder, pela mão do Coronel António Inácio Cayola. A entrada do Coronel Cayola em Guimarães fez-se com facilidade pois, de acordo com um relato da época (feito por um liberal), Cayola desbaratou as tropas de Raimundo que se refugiariam nos arredores da vila.

Apenas um dia após a sua retirada, os soldados absolutistas entrariam subitamente na vila, com o intuito de surpreender os constitucionais. O sucedido é relatado por Silva Maia nas suas “Memórias (…) da Revolução do Porto” (ed. de 1841) da seguinte forma: “[as tropas absolutistas] pretenderam surpreender os constitucionais; [caíram furiosas] sobre estes, sem a menor disciplina, entregando-se como frenéticos nas bocas de fogo; o Coronel Raimundo, seu chefe, lhes havia distribuído muito vinho e neste estado de embriaguez é que o inimigo veio fazer o ataque; é fácil prever qual seria o resultado: 260 ficaram mortos, porque sem temerem a metralha vinham colocar-se diante da artilharia, animados, alem da embriaguez, pelos frades Dominicanos de Guimarães”. De acordo com a mesma fonte, depois deste massacre, os constitucionais vimaranenses, furiosos com os frades de São Domingos, saquearam o seu Convento “e mataram nove frades”.

Com um exército menos numeroso que o dos absolutistas, sem lideres militares capazes, sem chefias políticas e com algumas divergências internas à mistura, os constitucionais acabariam por ser vencidos. No Minho, foram as tropas do General D. Álvaro de Sousa Macedo a derrotarem os constitucionais que ainda tentavam defender as localidades recentemente dominadas. No dia 7 de Julho, D. Álvaro já se encontrava em Guimarães e, no dia 16 do mesmo mês, D. Miguel era, novamente, aclamado pelos vimaranenses como rei de Portugal.

Os constitucionais, derrotados, fugiriam para Espanha, ou tentariam esconder-se no interior do país. Ao chegarem à Galiza foram desarmados e intimados pelas autoridades espanholas a abandonar o território em trinta dias. Caso não o fizessem seriam presos e entregues às autoridades portuguesas. Desesperados procuraram solucionar a situação em que se encontravam. Os mais abastados emigrariam para Inglaterra. Jerónimo Vaz Vieira - o fidalgo do Toural - fugiria para a Terceira, onde viria a falecer em 1829. Os outros, aqueles que se tentaram esconder em Portugal, viveram momentos bastante delicados. Só em Guimarães, por terem estado envolvidos na revolta de 16 de Maio, foram pronunciados mais de cem constitucionais. Foi-lhes dada ordem de prisão e de sequestro dos seus bens.

Com as prisões dos apoiantes de D. Pedro, começaria um período que ficou conhecido como “o terror miguelista”. Encontrava-se a morte nas prisões e nas ruas. A guerra fratricida e a violência iriam continuar, fustigando um povo que nem sempre foi de “brandos costumes”…

Festa em Tempo de Guerra II (parte 3)

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Carta Constitucional: festejos em Guimarães em Julho de 1826 - "Borboleta Constitucional 16.09.1826.

Excertos: "Nos quatro ângulos da Praça se viam iluminadas sobre altas colunas as figuras das quatro partes do Mundo. Á porta da Basílica de S. Pedro, sita na mesma Praça, se viam de igual maneira as figuras da Religião e de Guimarães"

Festa em Tempo de Guerra II (parte 2)

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Carta Constitucional: festejos em Guimarães em Julho de 1826 - "Borboleta Constitucional 16.09.1826.

Excertos: "(...) Desfilavão as figuras dos Génios da Nação e de Guimarães, ricamente vestidas. (...) Chegou finalmente a grande noite, em que todos os espectadores boiaram no mar da mais plena satisfação; imensos foguetes subiram ao ar. (...) O festejo teve lugar na grande praça de D. Pedro IV. Na janela do meio do Palácio do Major António Vaz Vieira se achava a sagrada efígie de S.M.I. e R. , entregando a Carta Constitucional a sua Augusta Filha."

domingo, 3 de julho de 2011

Festa em Tempo de Guerra II (parte 1)

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Carta Constitucional: festejos em Guimarães em Julho de 1826 - "Borboleta Constitucional 16.09.1826.

Excertos: "Pertence à Câmara fazer a descrição do seu pregão e anunciar com solenidade o Juramento augusto à Carta Constitucional. Ela dirá que o pregão não levava foguetes e que só teve esta demonstração de alegria quando chegou à Praça de D. Pedro IV (que assim se deve chamar à Praça do Toural pelo seu patriotismo), porque os pagou a bolsa dos particulares. Houverão três noites de luminárias"

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Festa em Tempo de Guerra I

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Terá sido este o "Hino Constitucional" cantado em 1822 no Botequim do Vago-Mestre (em Guimarães).

Guimarães em Tempo de Guerra III

Os anos que se seguiram às invasões francesas foram anos relativamente pacatos para Guimarães. Em 1818, celebrava-se o 10º aniversário do levantamento da vila de Guimarães contra o invasor francês. Por essa ocasião houve iluminação nas ruas, Te Deum na Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira e fogo. Viviam-se momentos de alguma alegria e festa e, logo no ano seguinte, a vila conheceria novas festividades, desta feita em virtude das comemorações pelo aniversário de D. João VI.

Apesar do clima aparentemente sossegado que se vivia, um pouco por todo o país existia um certo mal-estar. O Rei, com o intuito de escapar ao invasor francês, tinha feito uma “retirada estratégica” para o Brasil e parecia não ter planos para voltar tão cedo. Os portugueses, vendo a sua corte do outro lado do oceano, não suportavam a ideia de serem a “colónia de uma colónia” e as ideias liberais, em parte trazidas pelos franceses, começavam a fervilhar, um pouco por todo o país. A agitação iria voltar.

A 24 de Agosto de 1820, de acordo com as memórias de um testemunho coevo (do cónego vimaranense Pereira Lopes Lima) chegava a Guimarães a notícia de ter rebentado na cidade do Porto “uma revolução na qual proclamaram a El-rei D. João VI, as Cortes e por elas a Constituição”. A ideia de introduzir uma Constituição em Portugal era algo de novo e não viria a ser pacífico. Em Guimarães a notícia seria recebida com festejos e com agrado por parte dos constitucionais (nome dado aqueles que apoiavam a Constituição e o liberalismo) e na Câmara Municipal seria feito o juramento da Constituição. Contudo, apesar do aparente regozijo demonstrado pela população, nem todos apoiavam esta nova ordem que iria emergir do documento constitucional e cedo começariam a sentir-se as divisões entre constitucionais (liberais) e absolutistas (realistas).

O país encontrava-se dividido entre aqueles que defendiam o absolutismo e aqueles que defendiam o liberalismo, expresso na Constituição de 1822. Em Guimarães, tal como no resto do país, vivia-se um clima de enorme tensão entre os liberais e os absolutistas. Este clima de tensão iria estalar quando, numa noite de Novembro de 1822, um grupo de indivíduos armados, partidários do absolutismo, se dirigiu a um célebre café do Toural (o botequim do Vago-Mestre), cujo dono era um dos chefes constitucionais vimaranenses, e lhe partiu uma serie de vidraças, arremessando, também, diversas pedras para dentro da casa do botequineiro, com o intuito de o matar. Os ataques a este espaço foram uma constante entre 1822 e 1823, tendo sido o seu proprietário forçado a garantir a sua segurança com uma escolta do exército.

Um pouco por todo o país, os absolutistas conspiravam contra o novo regime liberal, desejando acabar com o referido regime e suprimir a Constituição de 1822. Em Trás-os-Montes, o Conde de Amarante (um dos heróis da resistência aos franceses) iria encabeçar uma revolta contra o liberalismo mas seria suprimido. De Guimarães sairiam para o combater o Regimento 15 (aqui aquartelado) e o Regimento de Milícias de Guimarães. Após a vitória sobre o Conde de Amarante, estes dois corpos militares entrariam em Guimarães onde seriam recebidos pela população em festa. Por esta altura, desfilariam para as prisões partidários do absolutismo, detidos pelo Regimento 15. Os constitucionais rejubilavam com a sua vitória, mas cedo a sua sorte iria mudar…

A 27 de Maio de 1823, em Vila Franca de Xira, dava-se a “Vilafrancada”, revolta encabeçada pelo príncipe D. Miguel onde se proclamou o absolutismo. Em Guimarães começariam a ser presos os liberais que não se tinham posto em fuga. Durante este período, alguns constitucionais vimaranenses ficariam detidos nas cadeias da vila, sendo mais tarde desterrados. Era agora a vez dos partidários do absolutismo, presos meses antes pelo Regimento 15, regressarem a Guimarães, tendo sido recebidos, de acordo com o já citado cónego Pereira Lopes Lima, por “mais de duzentas pessoas a cavalo” e por repiques de sinos e festejos por toda a vila.

Viviam-se tempos de grande agitação política. Conspirações e tentativas de tomada do poder, ou de consolidação do poder por parte de uma tendência ou facção, aconteceram com alguma frequência. Com a morte do rei D. João VI, o seu filho mais velho, D. Pedro IV, herdaria o trono. Em 1826, D. Pedro IV iria outorgar a Portugal uma Carta Constitucional, mais moderada do que a Constituição de 1822, com o intuito de apaziguar os ânimos exaltados que se viviam naquele tempo.

Em Guimarães, estas novas alterações seriam recebidas com belíssimos festejos, sendo a praça do Toural o centro de grande parte das comemorações. Mais uma vez, os festejos não seriam, de forma nenhuma, sinónimo de união ou de unidade. Guimarães estava dividida em duas facções que cedo se iriam confrontar. De acordo com o cónego Lopes Lima, em Agosto de 1826 os “realistas deram algumas lapadas em uns constitucionais que estavam a cantar o hino constitucional”. O General da Província, Visconde de Santa Marta, sabendo destes confrontos nas ruas de Guimarães, ainda mandou prender alguns dos responsáveis por estes distúrbios mas de nada iria adiantar. Era o princípio da Guerra Civil (Continua).

Publicado originalmente no Povo de Guimarães