domingo, 8 de maio de 2011

Guimarães em Tempo de Guerra II


Como já referi anteriormente, o Batalhão dos Privilegiados das Tábuas Vermelhas, era comandado em grande parte por gente do clero e era composto por gente recrutada nas propriedades pertencentes à Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira. Contando com mais de 500 elementos e comandado pelo Coronel João Ribeiro do Couto e Abreu e pelo Major Monsenhor Pedro Machado de Miranda, este corpo encontrava-se pronto para o combate a 15 de Agosto de 1808, altura em que desfilou na procissão de Nossa Senhora da Oliveira.
Em Guimarães, durante o mês de Novembro, rezava-se pela alma dos militares falecidos na luta contra os franceses, mas a defesa militar não seria descurada e durante esse mês e os meses seguintes, seriam tomadas algumas medidas para, em caso de ataque inimigo, poder defender a região. As armas começavam a ser acumuladas e consertadas, a comida entregue aos regimentos aquartelados em Guimarães e os homens voltavam a preparar-se para a guerra.
No inicio de 1809 Napoleão decidia, mais uma vez, tentar invadir Portugal. O General Soult tinha ordens para entrar pelo norte do país e assim o fez, tentando transpor o rio Minho perto da sua foz. Os portugueses opuseram-se e Soult teve que recuar, fazendo a sua entrada por Chaves. Após a tomada de Chaves por Soult, o General Bernardim Freire de Andrade -comandante do exército português-, temendo a rápida entrada dos franceses e a possível ocupação do Porto, decide espalhar pequenas forças pela Caniçada, Portela do Homem, Ponte de Cavez, Ruivães e Salamonde, concentrando o grosso das suas forças no Porto.
No dia 23 de Fevereiro de 1809 chega um ofício a Guimarães em que é ordenada a partida do BPTV para a Caniçada. A 27 do mesmo mês parte o referido Batalhão para a Caniçada, juntando soldados, oficiais cónegos e padres. Soult caminha em direcção o Porto e passa por Salamonde (Vieira do Minho), para onde entretanto, por ordem do General Bernardim Freire de Andrade, se tinha dirigido o BPTV. Chegado lá, o General Soult, sem grande dificuldade vence os vimaranenses e restantes tropas, fazendo alguns mortos, dos quais se destaca o Quartel-Mestre do BPTV António Duarte Ferraz, morto em Salamonde a 16 de Março de 1809. De facto as forças portuguesas estacionadas em Salamonde não eram em número suficiente para travar o exército francês. Muitas vezes mal equipadas e mal preparadas, estas forças não eram um obstáculo suficientemente forte para um exército numeroso e bem equipado, conseguindo, apesar de tudo atrasar a marcha do invasor e causar algumas baixas. A ferocidade das tropas portuguesas - e até a sua irracionalidade – não foi esquecida pelos franceses que, apesar de possuírem melhor equipamento e estarem em superioridade numérica, sentiram fortes dificuldades para atravessar Ruivães e Salamonde.
Soult continuaria a sua caminhada até Braga. Em Braga os ânimos estavam ao rubro. Antes da chegada de Soult. Bernardim Freire de Andrade decidira fazer uma retirada estratégica para o Porto, onde achava ter melhores condições para enfrentar o exército francês. A população bracarense, revoltada e desesperada, assassinou Freire de Andrade, considerando a sua retirada uma traição. Ao chegar a Braga, Soult não encontrou Freire de Andrade, mas encontrou uma população enraivecida e disposta a combater. As colunas francesas dispersaram-se em três direcções: Guimarães (Falperra), Adaúfe e Carvalho de Este. Neste último local (situado entre Braga e a Póvoa de Lanhoso) travou-se um dos combates mais duros contra o invasor. Com um exército profissional muito reduzido e pessimamente equipado, os portugueses usaram tudo o que tinham contra os generais franceses. Populares da região juntaram-se ao exército e lutaram com o que tinham à mão. Alguns relatos afirmam que os populares lutaram com chuços, foices e pedras e que, mesmo alguns corpos do exército, não dispunham de mais de três balas por homem. A luta durou quatro dias e os franceses acabariam por vencer, causando a morte a mais de 1000 portugueses. Após vencerem a batalha os franceses entrariam em Braga, que estava completamente deserta. Soult iria de seguida para o Porto, deixando algumas forças no Minho.
No dia 23 de Março de 1809 os invasores entravam em Guimarães, ocupando a Igreja de São Pedro (no Toural) que, após ser devidamente saqueada, foi transformada num estábulo. Os franceses “encheram toda a igreja de cavalos [e] os altares apareceram cheios de milho e também de toucinho”. Empenhados em consolidar a sua posição em torno de Guimarães (e de outras vilas importantes) os franceses deram início a diversas acções de reconhecimento. Numa delas, em Moreira de Cónegos, o General francês Jardon seria morto por guerrilhas que actuavam naquele local. Embora quase derrotados militarmente, os portugueses não se davam por vencidos e, sempre que podiam, ofereciam resistência ao exército francês. Com a chegada do exército inglês os franceses seriam forçados a retirar. Com a chegada dos ingleses voltava a reunir-se o BPTV, com o intuito de colaborar na luta contra o invasor, desta feita perseguindo-o e tentando capturar algumas autoridades portuguesas que tinham colaborado com os franceses.
Na retirada Soult passaria brevemente por Guimarães, marchando com os seus homens para Espanha, para não mais voltar.

Publicado no Povo de Guimarães de 19/02/2010

sábado, 7 de maio de 2011

Guimarães em Tempo de Guerra I

Durante o século XIX, Portugal conheceu momentos de grande agitação. Ameaças externas ou conflitos internos puseram em causa a sua independência, a sua estabilidade e, de uma forma ou de outra, afectaram todos os portugueses sem excepção.
Guimarães tomou parte nestes conflitos, vendo muitos dos seus filhos partirem no encalço dos seus inimigos ou dividirem-se em lutas intestinas. Os vimaranenses foram, como tantos portugueses nesses tempos, os vencedores e os vencidos, os heróis e os vilões, os que sobreviveram e os que pereceram.
Foi logo no início do século XIX, com a Guerra Peninsular, que Guimarães iria sentir o peso do inimigo e que, pouco tempo depois se revoltaria. Nos finais de 1807, Portugal encontrava-se dominado pelos franceses. O Príncipe Regente português, D. João VI, juntamente com a Corte, tinha-se retirado para o Brasil para escapar ao exército de Napoleão. Nas ruas de Lisboa o povo revoltava-se ao ver a bandeira portuguesa ser substituída pela francesa e um pouco por todo o país havia um sentimento de revolta contra o invasor.
Em Guimarães, durante o mês de Março de 1808, é assinada a relação das pratas que algumas Irmandades e a Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira foram forçadas a dar aos invasores. Mas não era só a prata que o exército napoleónico consumia. Com muitos homens para manter, Junot – General que comandava o exército invasor – para além de ter lançado pesadas contribuições (impostos) para o esforço de guerra, também permitiu que o seu exército roubasse comida (gado, cereais, vinho, etc.) à população. Todos estes factores, bem como outros tipos de brutalidades cometidas pelos ocupantes, criaram um forte sentimento de revolta nas populações.
Um pouco por todo o Norte de Portugal, o povo começava a juntar-se em magotes e a provocar pequenas revoltas e motins em algumas localidades. Quando a 6 de Junho de 1808 o General Ballesta entra no Porto e o liberta do invasor (ainda que por pouco tempo, pois Ballesta sairia para a Galiza a 7), as populações de Trás-os-Montes, sabendo da notícia, começam a juntar-se em grande número dando inicio a levantamentos populares contra os ocupantes. Em Bragança e em Vila Real dois homens com prestígio militar (o Governador de Armas da Província Manuel Sepúlveda e o Tenente Coronel Francisco da Silveira) encabeçam a revolta e comandam os populares, dando a estas revoltas uma outra dimensão.
Em Guimarães a notícia da revolta de Sepúlveda chega nos inícios de Junho de 1808. No dia 16 de Junho, em que houve solenidade do Corpo de Deus, muitas das notabilidades vimaranenses de então usariam “um laço da nação portuguesa no chapéu” e no dia seguinte festejava-se a restauração, com diversas manifestações de regozijo, iluminação e música durante a noite e com o sub-chantre Manuel Alves a aparecer com duas pistolas à cintura, animando os vimaranenses e incitando-os à revolta. No dia 18 seria finalmente aclamado D. João VI, proclamado como Príncipe Regente.
Feita a aclamação era necessário dar início à defesa do território. Sem exército regular fixo (desmembrado pelos franceses) e sem tropas auxiliares (milícias e ordenanças), os portugueses viram-se obrigados a organizar corpos militares capazes de fazer face aos inimigos. Em Guimarães foram criados pelo menos três batalhões de homens que seriam rapidamente mobilizados e for reorganizado o Regimento de Milícias de Guimarães (RMG). Ao contrário do RMG os outros três batalhões eram compostos em grande parte por voluntários e por amadores, com pouca ou nenhuma experiência militar. Um era composto por jovens abastados (cerca de 200), que se iram voluntariar para o efeito. Outro era comandado pelo prior de São Domingos e era formado por religiosos e por soldados. E por último existia ainda o Batalhão dos Privilegiados das Tábuas Vermelhas, composto por mais de 500 homens e comandado pelo Coronel reformado João do Couto Ribeiro Abreu. Estes “Privilégios das Tábuas Vermelhas” eram atribuídos às quintas, casas e hortas pertencentes à Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira e consistiam numa serie de isenções (jurídicas, fiscais e outras) a que os caseiros da Colegiada tinham direito. Este recrutamento militar, feito pela Colegiada através das suas propriedades, não era caso inédito pois, já em 1640 os Privilegiados contribuiriam com homens, lanças e arcabuzes para a Guerra da Restauração. Na luta contra os franceses voltou-se, de uma certa forma, a recuperar este modo de organização militar, ainda que com uma autonomia muito diferente do que em casos anteriores. A Colegiada formou o seu próprio Batalhão de Privilegiados, que, como já se disse, era comandado por João C. Ribeiro de Abreu com a patente de Coronel e que tinha como seu “número dois”, com a patente de Major, o Monsenhor Pedro Machado de Miranda. Este Batalhão seria dividido em cinco companhias, sendo três delas comandadas por eclesiásticos (dois cónegos e um mestre-escola).
No dia 15 de Agosto de 1808 o Batalhão dos Privilegiados das Tábuas Vermelhas apresentava-se pela primeira vez ao público acompanhando a procissão de Nossa Senhora da Oliveira. Este corpo militar, apesar de quase amador, era comandado por homens de prestígio, com especial destaque para o Monsenhor Miranda que tinha sido o principal responsável pela sua organização. Tendo um número considerável de homens e encarnando a motivação popular que dera origem às primeiras revoltas contra o invasor, cedo este Batalhão de vimaranenses seria chamado para a guerra. (Continua).

Publicado originalmente no Povo de Guimarães de 22.01.2010