Durante as décadas de 50, 60 e 70 do
século XIX, são postos em marcha muitos dos empreendimentos que modificaram
Guimarães, alguns dos quais só ganhariam forma na década de 80 do século XIX (mais
particularmente no ano de 1884). Mas para além dos “melhoramentos materiais” que marcaram e ainda marcam a paisagem
urbana vimaranense, houve também a consolidação de outros aspectos
relativamente comuns na vida de qualquer cidade. Refiro-me aos pontos de
encontro dos homens do comércio e da i
ndústria, das tertúlias culturais, das celebrações
religiosas ou profanas (foi célebre o Carnaval neste período), enfim, das
diversas rotinas criadas por uma vida finalmente normal, após meio século de
guerra...É até possível encontrar referências mais concretas, ainda que em
vários textos dispersos, aos pontos de encontro dos vimaranenses da segunda
metade do século XIX, cito apenas alguns, para exemplificar: Café Fernandes
(Porta da Vila), Livraria/Tabacaria Lemos (Porta da Vila), Casa Feliz (do
Comendador Miranda, no Toural), Casa Castro Sampaio (do Visconde de Sendelo,
Toural), Café do Vago-Mestre (Toural), Casa Havaneza (Toural), Casa de Luiz
Gonçalves Basto (Toural/Alameda), Casa Braga (Rua Paio Galvão), entre outras.
Vista de Guimarães (1849-1873) Fonte: wikipedia |
Não será difícil imaginar os passeios ao domingo no jardim do
Toural, com a música do Regimento 20 a tocar, as idas das famílias ao Teatro Afonso
Henriques (fundado em 1855), e as feiras e os mercados, animadas por um período
económico pujante, a encherem Guimarães de gente nos dias em que se realizavam.
No plano político, fundamental para a vida da cidade, as querelas entre facções
opostas a enchiam as páginas dos jornais, com questões locais e nacionais.
Contudo, um raro espírito de união dessas várias facções iria surgir nos
momentos essenciais para a vida da cidade. Assim o demonstram as direcções de várias associações e
instituições vimaranenses, compostas de pessoas dos mais variados quadrantes
políticos. É aliás esse espírito de união, ou espírito “de antes quebrar que torcer” (para citar uma frase celebrizada no
conflito que opôs Braga a Guimarães em 1886), que parece definir um pouco a
própria índole da cidade de Guimarães e das suas gentes nas décadas que se
seguiram.
Naturalmente que essa marca identitária do povo vimaranense
já existia (basta recordar alguns episódios históricos, nomeadamente da Guerra
Peninsular para o perceber). Contudo uma duríssima Guerra Civil tinha dividido os
vimaranenses e só na segunda metade do século XIX é que se volta a perceber –
digo perceber porque nada disto é mensurável – esse espírito de união.
Da década de 50 às décadas de 80/90 do século XIX, Guimarães
dotou-se de infra-estruturas, de projectos e de massa crítica que a
caracterizariam como cidade nos anos seguintes. Assumindo desde já a natureza
subjectiva das minhas escolhas, permito-me referir algumas que ilustram aquilo
que acabei de dizer: calcetamento das ruas (década de 40 e seguintes),
iluminação pública (1844), Visita de D. Maria II e elevação a Cidade
(1852/1853), Teatro D. Afonso Henriques (1855), Lar de Santa Estefânia (1858),
Assembleia Vimaranense (década de 60), Praça do Mercado (1860), Associação
Comercial (1865), Comissão de Melhoramentos (1869), criação do Passeio Público
(década de 70), Banco de Guimarães e Banco Comercial de Guimarães (1873 e
1875), Termas de Vizela (1873), Termas das Taipas (1875), Bombeiros de
Guimarães (1877), Cemitério Público (1879), visita de intelectuais estrangeiros
à Citânia de Briteiros (1880), fundação da Sociedade Martins Sarmento (1881),
Publicação de Guimarães Apontamentos Para a Sua História (Padre Caldas, 1881),
Revista de Guimarães (1884), Comércio de Guimarães (1884 – cito-o como
referência de uma imprensa viva cuja tradição remonta a 1822), Exposição
Industrial (1884), Escola Industrial (1884), Caminho de Ferro/Comboio em
Guimarães (1884), Fábrica do Castanheiro (85/86, símbolo da indústria têxtil),
melhoramentos da Penha (1886), estátua D. Afonso Henriques (1887) e as Avenidas
Afonso Henriques e D. João IV (início da década 90).
Nascia assim uma cidade nova, a continuar a vila velha.
Cidade feita não só do granito que deu vida a muitas das novas artérias e
monumentos, mas também feita dos grandes momentos e das pequenas coisas, bem
como de todos os vimaranenses que nelas tomaram parte.
Foi esta paisagem urbana, humana, simbólica e cultural que
Guimarães nos legou no século XIX. Uma vila feita cidade, cercada ainda pelo ar
das aldeias e dos montes que a circundam, um ar “que sabe a bravio” (nas palavras de Raúl Brandão) e que ainda hoje se sente na cidade de Guimarães.
Foi assim que Guimarães se fez cidade no século XIX, após a
visita de uma Rainha, preparando-se para entrar no século XX pronta para outros
progressos. Mas essa é uma outra história…