Quando a 15 de Maio de 1852 a Rainha D. Maria II e seu marido
entraram em Guimarães, entravam numa Vila que ambicionava ser cidade. Os Reis entraram
em Guimarães às 9h da manhã. Foram saudados por inúmero povo e pelas
autoridades num Toural que se tinha engalanado para os receber. Nas Portas da
Vila, o Presidente da Câmara, João Machado Pinheiro (mais tarde Visconde de
Pindela), recita um brilhante discurso e entrega as Chaves da Vila à Rainha. O
trajecto dos Reis percorre toda a vila, detêm-se nas principais instituições e
monumentos. São saudados pelas notabilidades locais e pelo povo que se apinha
nas ruas. Dirigem-se finalmente ao Palácio de Vila Flor, onde se hospedam e são
principescamente recebidos por Nicolau de Arrochela (futuro Conde de
Arrochela).
![]() |
Chaves da Cidade de Guimarães (fonte: SMS) |
Guimarães não mais esqueceria esta visita. E numa rua, a Rua
da Rainha, é guardada ainda essa memória.
Nove meses depois, por decreto, Guimarães era elevada à
categoria de cidade. A 22 de Junho era lavrada a Carta que solenizava o
decreto. Estávamos finalmente na cidade de Guimarães.
Hoje, 160 anos passados após o sucedido, é tempo de
perguntarmos a que Guimarães chegou D. Maria II em 1852? E que transformações
ocorreram a partir de 1853? Afinal, quando e como se construiu a cidade de
Guimarães?
A antiquíssima vila medieval de Guimarães, resultou, como é
sabido, da junção de duas vilas – chamemos-lhe assim – , que veio unir a parte
alta à parte baixa de Guimarães (“duas Vilas um só Povo” na feliz expressão da
Professora Conceição Falcão Ferreira). Depois, com o passar dos séculos,
Guimarães libertou-se dos grilhões que a prendiam, crescendo para fora de
muros. Foram surgindo modificações urbanísticas acompanhadas de novos pólos culturais
e urbanos. Ainda no século XV/XVI, é construída a Torre dos Pinheiros na Igreja
de Nossa Senhora da Oliveira, edificação que engrandece a Colegiada de Nossa
Senhora da Oliveira, que era, provavelmente, o maior senhorio (detentor de
terras) da região. Já no século XVI, nos arredores de Guimarães, surge a
Universidade da Costa, que forma gente relevante para a Vila. De volta ao
coração da Vila, na Praça da Oliveira, vemos erguerem-se, também no século XVI,
os Paços do Concelho. Depois, na transição do século XVI para o século XVII começa
a ganhar importância o terreiro do Toural, palco de feiras e das mais variadas
festividades. Ao mesmo tempo vão surgindo vários arruamentos estreitos e
desalinhados e algumas zonas habitacionais dispersas, próximas do antigo núcleo
urbano. Novamente no Toural surge, já nos finais do século XVIII, um enorme
edifício, de feição regular, a enobrecer a então vila de Guimarães.
Ainda que lentamente Guimarães crescia, atravessando os
séculos. Contudo, Guimarães chegava ao século XIX ainda Vila e não Cidade.
Seria certamente importante definir o que é uma cidade, ou o
que faz uma cidade, para tentar identificar os elementos, materiais e
imateriais, que, conjugados, oferecem um resultado para esta complexa equação.
Contudo, a modéstia e a falta de tempo e de espaço, impedem-me de o tentar
fazer. Creio até que, mesmo tentando, não seria capaz. A análise implicaria uma
abordagem histórica, sociológica, antropológica, cultural, urbanística,
geográfica, arquitectónica que não se coaduna com a natureza desta comunicação.
Por isso em vez de perguntar “como se faz uma cidade?”,
pergunta algo abstracta como foi demonstrado anteriormente, é preferível
perguntar “como se fez esta cidade de Guimarães”. Pergunta complexa, sem
dúvida, para a qual mesmo não tendo uma resposta definitiva, sinto ser capaz de
responder ou de, pelo menos, tentar.
É no século XIX, mais precisamente a partir de 1834, com o
fim da Guerra Civil, que Guimarães começa a dar os primeiros passos no sentido
de uma cidade mais parecida com a que conhecemos hoje, ou com a vila
transformada em cidade por D. Maria II em 1852.
Com a vitória dos liberais na Guerra Civil, as ideias
“liberais” (ou do liberalismo) começam a ser postas em prática um pouco por
todo o país. A interferir directamente na vida local, assiste-se uma
reorganização administrativa de todo o território nacional (mais
centralizadora) e a novos critérios para a eleição do poder local (mais
democráticos). De uma forma menos directa, ou menos dependente do poder
central, assiste-se a um vincar na opinião pública de um conjunto de ideias
ligadas a uma nova ideia de sociedade, mais preocupada com a instrução pública,
com a cultura, com a saúde e com o desenvolvimento económico.
Essas novas ideias de desenvolvimento da sociedade chegam a
Guimarães logo no fim da Guerra Civil, em Outubro de 1835, através da
constituição da tristemente célebre Sociedade Patriótica Vimaranense
(imortalizada por numa das suas sessões se ter pretendido demolir uma das
torres do Castelo de Guimarães para calcetar as ruas, iniciativa que foi
chumbada por 15 votos contra e 4 a favor). Contudo, para além da infeliz iniciativa
que a celebrizou, na Sociedade Patriótica Vimaranense surgiram várias
“Comissões” (assim designadas em documentos da época) onde as novas ideias do
liberalismo ganhavam forma e procuravam afirmar-se na sociedade vimaranense de
então. A par de uma comissão de “Festas”, outra “Administrativa” e outra ainda
de “Contas”, estas relacionadas apenas com as actividades da SPV, surgiram
também as comissões de “Instrução” (que incluía o ensino e a cultura),
“Agricultura”, “Salubridade” e “Comércio”. Estas últimas, ainda que muito
lentamente, foram semeando algumas das ideias que mudariam e construiriam Guimarães
ao longo do século XIX.
Podemos referir que das ideias defendidas pelos membros da
SPV, surgem, em certa medida, as bases que permitiram lançar os alicerces da
Associação Comercial (fundada em 1865 por António Espírito Santo “O Alemão”, membro
da SPV), das diversas demolições que permitiram o alargamento e calcetamento das
artérias urbanas, da edificação de novos teatros, das instituições ligadas à
instrução (e ao ensino), do cemitério público (salubridade), entre outras.
Contudo, nenhum destes progressos foi posto em prática através da SPV que se
extinguiria em 1839. Mas as ideias ficaram, à espera de melhores dias…
É de notar que a primeira metade do século XIX foi um período
de grande instabilidade política e social. À Guerra Civil que opôs Miguelistas
a Liberais, seguiu-se o conturbado período do Setembrismo (1836 a 1842), a que
se seguiu a Maria da Fonte (em 1846). Naturalmente esta instabilidade afectou
Guimarães e impediu que muitas das ideias de progresso e desenvolvimento
defendidas na época ganhassem forma. A título de exemplo, pode dizer-se que
durante o Setembrismo nem o problema do calcetamento das ruas estava resolvido,
como atestam uns versos da época relativos esse problema em Guimarães: “As calçadas continuam/no desmazelo sabido/ e
o dinheiro anda comido!”.
Contudo, na década de 40 do século XIX, Guimarães conheceu
alguns progressos, dos quais merecem destaque o serviço de correios (1841), a
iluminação pública (1844), ou os projectos e melhoramentos das estradas de
Guimarães/Santo Tirso e de Guimarães/Braga (1845).
Já na década de 50, com o país pacificado, começam a pôr-se em
prática algumas das melhorias pensadas nas décadas anteriores. Antes de 1852,
data da visita de D. Maria II a Guimarães, é de referir que uma Comissão de Amigos do Castelo propôs
efectuar alguns melhoramentos naquele que era (e ainda hoje é) considerado o
mais importante monumento de Guimarães, pela sua antiguidade e pela sua enorme carga
simbólica.
Mas, afinal, a que Guimarães chega então D. Maria II?
(continua)
Sem comentários:
Enviar um comentário