sábado, 7 de maio de 2011

Guimarães em Tempo de Guerra I

Durante o século XIX, Portugal conheceu momentos de grande agitação. Ameaças externas ou conflitos internos puseram em causa a sua independência, a sua estabilidade e, de uma forma ou de outra, afectaram todos os portugueses sem excepção.
Guimarães tomou parte nestes conflitos, vendo muitos dos seus filhos partirem no encalço dos seus inimigos ou dividirem-se em lutas intestinas. Os vimaranenses foram, como tantos portugueses nesses tempos, os vencedores e os vencidos, os heróis e os vilões, os que sobreviveram e os que pereceram.
Foi logo no início do século XIX, com a Guerra Peninsular, que Guimarães iria sentir o peso do inimigo e que, pouco tempo depois se revoltaria. Nos finais de 1807, Portugal encontrava-se dominado pelos franceses. O Príncipe Regente português, D. João VI, juntamente com a Corte, tinha-se retirado para o Brasil para escapar ao exército de Napoleão. Nas ruas de Lisboa o povo revoltava-se ao ver a bandeira portuguesa ser substituída pela francesa e um pouco por todo o país havia um sentimento de revolta contra o invasor.
Em Guimarães, durante o mês de Março de 1808, é assinada a relação das pratas que algumas Irmandades e a Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira foram forçadas a dar aos invasores. Mas não era só a prata que o exército napoleónico consumia. Com muitos homens para manter, Junot – General que comandava o exército invasor – para além de ter lançado pesadas contribuições (impostos) para o esforço de guerra, também permitiu que o seu exército roubasse comida (gado, cereais, vinho, etc.) à população. Todos estes factores, bem como outros tipos de brutalidades cometidas pelos ocupantes, criaram um forte sentimento de revolta nas populações.
Um pouco por todo o Norte de Portugal, o povo começava a juntar-se em magotes e a provocar pequenas revoltas e motins em algumas localidades. Quando a 6 de Junho de 1808 o General Ballesta entra no Porto e o liberta do invasor (ainda que por pouco tempo, pois Ballesta sairia para a Galiza a 7), as populações de Trás-os-Montes, sabendo da notícia, começam a juntar-se em grande número dando inicio a levantamentos populares contra os ocupantes. Em Bragança e em Vila Real dois homens com prestígio militar (o Governador de Armas da Província Manuel Sepúlveda e o Tenente Coronel Francisco da Silveira) encabeçam a revolta e comandam os populares, dando a estas revoltas uma outra dimensão.
Em Guimarães a notícia da revolta de Sepúlveda chega nos inícios de Junho de 1808. No dia 16 de Junho, em que houve solenidade do Corpo de Deus, muitas das notabilidades vimaranenses de então usariam “um laço da nação portuguesa no chapéu” e no dia seguinte festejava-se a restauração, com diversas manifestações de regozijo, iluminação e música durante a noite e com o sub-chantre Manuel Alves a aparecer com duas pistolas à cintura, animando os vimaranenses e incitando-os à revolta. No dia 18 seria finalmente aclamado D. João VI, proclamado como Príncipe Regente.
Feita a aclamação era necessário dar início à defesa do território. Sem exército regular fixo (desmembrado pelos franceses) e sem tropas auxiliares (milícias e ordenanças), os portugueses viram-se obrigados a organizar corpos militares capazes de fazer face aos inimigos. Em Guimarães foram criados pelo menos três batalhões de homens que seriam rapidamente mobilizados e for reorganizado o Regimento de Milícias de Guimarães (RMG). Ao contrário do RMG os outros três batalhões eram compostos em grande parte por voluntários e por amadores, com pouca ou nenhuma experiência militar. Um era composto por jovens abastados (cerca de 200), que se iram voluntariar para o efeito. Outro era comandado pelo prior de São Domingos e era formado por religiosos e por soldados. E por último existia ainda o Batalhão dos Privilegiados das Tábuas Vermelhas, composto por mais de 500 homens e comandado pelo Coronel reformado João do Couto Ribeiro Abreu. Estes “Privilégios das Tábuas Vermelhas” eram atribuídos às quintas, casas e hortas pertencentes à Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira e consistiam numa serie de isenções (jurídicas, fiscais e outras) a que os caseiros da Colegiada tinham direito. Este recrutamento militar, feito pela Colegiada através das suas propriedades, não era caso inédito pois, já em 1640 os Privilegiados contribuiriam com homens, lanças e arcabuzes para a Guerra da Restauração. Na luta contra os franceses voltou-se, de uma certa forma, a recuperar este modo de organização militar, ainda que com uma autonomia muito diferente do que em casos anteriores. A Colegiada formou o seu próprio Batalhão de Privilegiados, que, como já se disse, era comandado por João C. Ribeiro de Abreu com a patente de Coronel e que tinha como seu “número dois”, com a patente de Major, o Monsenhor Pedro Machado de Miranda. Este Batalhão seria dividido em cinco companhias, sendo três delas comandadas por eclesiásticos (dois cónegos e um mestre-escola).
No dia 15 de Agosto de 1808 o Batalhão dos Privilegiados das Tábuas Vermelhas apresentava-se pela primeira vez ao público acompanhando a procissão de Nossa Senhora da Oliveira. Este corpo militar, apesar de quase amador, era comandado por homens de prestígio, com especial destaque para o Monsenhor Miranda que tinha sido o principal responsável pela sua organização. Tendo um número considerável de homens e encarnando a motivação popular que dera origem às primeiras revoltas contra o invasor, cedo este Batalhão de vimaranenses seria chamado para a guerra. (Continua).

Publicado originalmente no Povo de Guimarães de 22.01.2010

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