terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Seria o dia de S. Nicolau celebrado na Universidade da Costa?

Os estatutos das universidades portuguesas dos séculos XVI e XVII determinavam que o dia de S. Nicolau (6 de Dezembro) fosse dia de “préstito” (espécie de procissão) ou de “vacações” (férias). Na Europa, durante a Idade Média, o dia de S. Nicolau revestia-se de grande importância para os estudantes que, nessa data, participavam em procissões dedicadas ao Santo e faziam grandes folias. Em Portugal o dia de S. Nicolau era assinalado na Universidade pelo menos desde o início do século XVI. Em 1537, após a transferência da Universidade de Lisboa para Coimbra, o dia de S. Nicolau continuou a ser celebrado pelos estudantes. Nos estatutos da Universidade de Coimbra de 1593 o dia de S. Nicolau aparecia consagrado como dia de préstito em que “se irá [ao colégio de] S. Jeronimo ”.

O facto de todos os estatutos universitários portugueses do século XVI referirem o dia de S. Nicolau como dia de festa ou de “préstito” diz-nos ser provável que na Costa também se prestasse culto ao referido santo. A “tradução-resumo” dos estatutos da Universidade da Costa (os estatutos desenvolvidos, a terem existido, encontram-se desaparecidos) indica, em certo artigo, que o funcionamento da Universidade da Costa era idêntico ao de outros colégios universitários seus contemporâneos, como se pode depreender da leitura do seguinte ponto dos estatutos: “que o dito colégio e colegiais dele (...) gozem de todos e quaisquer privilégios isenções, liberdades, graças e indultos que há na mesma ordem, mosteiros, casas e colégios dela nos reinos de Portugal, Castela ou Aragão (...) e assim de outras ordens e seus colégios e pessoas deles pelo tempo que geralmente forem concedidos”. Assim sendo parece quase certo que o dia de S. Nicolau, um dos dias mais simbólicos para os estudantes do século XVI, fosse celebrado na Costa. A isto deve acrescentar-se também que S. Nicolau era particularmente venerado pelos mestres e alunos de Artes, curso que foi ministrado na Universidade da Costa entre 1537 e 1550. Como já foi dito em artigo anterior, o próprio Reitor da Universidade da Costa e professor de Artes, Frei Diogo de Murça tinha uma particular veneração pelo Santo.

Através leitura das Constituições do Colégio de Santa Cruz de Coimbra, datadas de 1537 (ano em que foi fundado o Colégio da Costa) é possível perceber que o culto a São Nicolau estava bem enraizado neste tipo de colégios. A leitura reveste-se de particular interesse se percebermos que tanto o Colégio de Santa Cruz como o Colégio da Costa parecem ter sido pensados de forma muito semelhante. Funcionavam seguindo o modelo da Universidade de Paris, reflectindo, em certa medida, o percurso académico dos seus reitores/reformadores que em tudo era idêntico. Na Costa era Reitor Frei Diogo de Murça (monge Jerónimo, estudou em Salamanca, Paris e Lovaina, onde se doutorou em Teologia) e em Santa Cruz a reforma dos estatutos foi feita por um condiscípulo de Frei Diogo de Murça, Frei Brás de Braga (monge Jerónimo, estudou em Paris e Lovaina onde se doutorou em Teologia). Os estatutos do colégio de Santa Cruz reflectem o espírito humanista da época e as influências parisienses de Frei Brás de Braga. No ponto relativo ao “tempo em que há vacações” é apontado, entre outros, o dia de S. Nicolau em que os estudantes, tal como acontecia noutros dias de férias, podiam para “além da espiritual (...) tomar alguma humana recreação”. Tal como o Colégio da Costa, o Colégio de Santa Cruz pretendia ser um centro de pedagogia moderna e humanista e tudo parece indicar que a sua forma de governo fosse semelhante.

A conjugação de todos estes factores, leva-me a afirmar com um elevadíssimo grau de probabilidade que, entre 1537 e 1550, o dia de S. Nicolau foi celebrado na Universidade da Costa.


Fontes: A Universidade de Guimarães no século XVI" de A. Moreira de Sá (1982)

"O S. Nicolau dos Estudantes" de A.L. de Carvalho (1956)

O Instituto : jornal scientifico e litterario Vol. 38 pp. 310 - 318

Ver tb. links indicados no texto.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

1 de Dezembro de 1640


João Pinto Ribeiro


João Pinto Ribeiro célebre conjurado da revolução de 1 de Dezembro de 1640, nasceu no começo da última década do século XVI em Lisboa. Era filho de Manuel Pinto Ribeiro, natural de Amarante, que ainda jovem partiu para Lisboa tendo regressado à sua terra em 1610 onde viveu até 1646 no lugar de Frariz na freguesia de Lufrei, e de Helena Gomes da Silva, natural da Lixa. Teve uma irmã, Francisca Ribeira da Silva, casada com Manuel de Sousa Pereira, senhor da quinta de Crasto, na freguesia de Gatão, que então pertencia ao Concelho de Celorico de Basto. Deste casamento, teve um filho, o capitão António Pinto de Sousa, que viveu em Celorico de Basto na quinta da Refontoura (Gémeos) e depois na quinta de Santo Andou (Arnoia) propriedade de sua mulher. Será esta a verdadeira ligação de D. João Pinto Ribeiro às terras e gentes de Celorico de Basto? João Pinto Ribeiro formou-se na Universidade de Coimbra (1607-1617) com o grau de bacharel em Direito-Canónico. Foi Juiz de fora das Vilas de Pinhel e Ponte de Lima; Administrador dos negócios da Casa de Bragança em Lisboa; Agente da aclamação de D. João IV; Cavaleiro da Ordem de Cristo; Guarda-Mor da Torre do Tombo e Desembargador do Paço. Foi casado com D. Maria da Fonseca, "que se achava no estado de viuvez e com filhos do seu primeiro marido". João Pinto Ribeiro morreu em 10 de Agosto de 1649 sem deixar filhos legítimos ou ilegítimos. Em reunião da Câmara Municipal de Celorico de Basto, a 12 de Julho de 1940, com a presença do Presidente substituto em exercício, Dr. Joaquim Bernardino Machado Cardoso e os vereadores, Padre Manuel Lopes da Cunha e o Sr. Francisco Teixeira da Silva, e ausência justificada dos vereadores Roberto Vaz Teixeira de Vasconcelos e João Gomes Ferreira, foi aprovada por unanimidade a proposta subscrita pelo vereador Padre Manuel Lopes da Cunha: Estando averiguado que João Pinto Ribeiro, um dos maiores heróis desse grupo de homens que no primeiro de Dezembro de 1640, numa hora de febre patriótica e num delírio de amor pátrio, resolveu sacudir o jugo estrangeiro que durante sessenta anos escravizara o clero, a nobreza e o povo às mais vexatórias humilhações, tivera o seu carinhoso berço dentro dos limites deste Concelho, na fidalga e risonha freguesia de Arnoia, e comemorando-se este ano o terceiro centenário de tão grande feito, proponho à Excelentíssima Câmara que se levante uma estátua ou busto a tão assinalado herói na Praça ou Jardim desta Vila, fazendo-se a sua inauguração no primeiro de Dezembro do ano corrente. […] Considerando porém as precárias condições financeiras deste município, proponho ainda que se proceda imediatamente a uma subscrição pública para auxiliar as despesas.

domingo, 27 de novembro de 2011

Frei Diogo de Murça e o S. Nicolau dos Estudantes


Como é sabido Frei Diogo de Murça foi Reitor do efémero Colégio (universidade) da Costa em Guimarães. Durante o curto espaço de tempo em que funcionou (1537-1550), o Colégio da Costa terá tido algum impacto em Guimarães e na vida dos vimaranenses. Ali eram ministrados os cursos de Teologia e Artes e, também, a disciplina de Gramática. Em 1542 estudavam na Costa mais de cem alunos, sendo alguns deles vimaranenses. Destes destaca-se Gonçalo Dias de Carvalho, Cónego da Colegiada de Nossa Senhora de Oliveira, que obteve licença para ir “todos os dias à Costa aprender, vindo servir a igreja nos dias em que na Costa se não ler”. Dias de Carvalho viria a ser professor na Costa e, alguns anos mais tarde, faria o doutoramento na Universidade de Coimbra. Também D. Duarte, filho bastardo de D. João III, ali estudou, bem como D. António (Prior do Crato), filho do Infante D. Luís.

Entre 1537 e 1543 o Colégio da Costa foi financiado pelas rendas do Mosteiro de Refojos de Basto. Em 1543, Frei Digo de Murça seria nomeado Reitor da Universidade de Coimbra e a Costa perderia progressivamente importância. De Guimarães para Coimbra sairiam não só os alunos e professores da Costa, mas também as rendas de Refojos de Basto, agora destinadas ao sustento da Universidade de Coimbra. O processo foi gradual e lento e só em 1550 a Universidade da Costa fecharia as suas portas.

Frei Diogo de Murça estudou em Salamanca, Paris e Lovaina onde se doutorou em 1533. Foi muito provavelmente durante a sua passagem pelo estrangeiro que se familiarizou com o culto a S. Nicolau pelos estudantes universitários. Nas universidades de Salamanca e Paris o culto a S. Nicolau estava inclusive previsto nos seus estatutos desde o século XVI. Em Portugal, pelo menos desde 1506, é sabido que a festa a S. Nicolau fazia parte dos ritos universitários. Nos Colégios de Artes os dias solenes de Festa eram Santa Escolástica e São Nicolau. Os estatutos do Colégio da Costa (que abarcavam os cursos de Artes, Teologia e a disciplina de Gramática) são omissos relativamente a este ponto, limitando-se apenas a salvaguardar para os seus “colegiais, leitores, escolares (...) e outras pessoas” o direito a gozarem de “todos e quaisquer privilégios, liberdades, graças, concessões e indultos que há [da?] mesma ordem [nos?] mosteiros casas e colégios dela nos Reinos de Portugal, Castela ou Aragão (...)”.

Apesar dos estatutos da Costa serem omissos no que diz respeito ao culto a S. Nicolau, na vida de Frei Diogo de Murça encontramos um dado interessante para a análise do culto a S. Nicolau pelos estudantes em Portugal. Diz-nos uma “Relação Secreta” (relativa a guerras na ordem dos monges beneditinos) datada de 1588 que, anos antes, numa visitação de 1564, tinha sido “dissolvido” um “bando” de monges que se apelidavam de “nicolaístas”. Este “bando”, cujos partidários estavam sediados em Refojos e em Coimbra, devia o seu nome ao facto de Frei Diogo de Murça ter dado o “hábito a alguns estudantes pobres que tinham por costume pedir esmola por amor de São Nicolau” (isto acontecia em Coimbra). O “bando” rival dos “nicolaístas” era o dos “martinetes” (assim denominado por ter origem no Mosteiro de S. Martinho de Tibães).

Estes “bandos”, extintos em 1564, viriam a ressurgir alguns anos mais tarde (nos finais do século XVI. Apesar de terem ressurgido nos finais do século XVI, cerca de 20 anos após a morte de Frei Diogo de Murça, mantiveram o nome de “nicolaístas”, andando de “capa caída na congregação”. Uma das suas figuras principais neste período foi Frei João Pinto, Abade de Refojos de Basto, sobrinho de Frei Diogo de Murça.

Frei Diogo de Murça foi demitido do cargo de Reitor da Universidade de Coimbra em 1555. Regressou ao Mosterio de Refojos de Basto onde fez profundas reformas. Ali viria a morrer em 1561.

Em Coimbra e em Refojos a memória de Frei Digo de Murça perdurou durante muitos anos. Em Guimarães, o Colégio da Costa terá deixado boas memórias pois, no século XVII, seria pedida a sua reabertura.

Frei Diogo de Murça foi um homem notável no seu tempo. Os frades e alunos dos Colégios que dirigiu não o esqueceram e, ao que tudo indica, não esqueceram também o culto a S. Nicolau que difundiu junto da comunidade estudantil.

Fontes: "O S. Nicolau dos Estudantes" de A.L. de Carvalho (1956)
Revista "Theologica", Série III, Vol. XVII pg. 143-182 ("Relacion Secreta" de 1589 transcrita por E. Zaragoza Pascoal)
"A Universidade de Guimarães no século XVI" de A. Moreira de Sá (1982)

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Minhotos

"O temperamento fleumático dos minhotos os conduz à paz e tranquilidade, ainda nas maiores afrontas que recebem. Na Guerra, não há soldados que se mostrem mais impávidos, e se arroguem mais intrépidos aos maiores perigos; na paz não há gente nem mais quieta, nem mais benigna"

in Descripção Topográfica e Histórica da Cidade do Porto feita por Agostinho Rebelo da Costa, 1789 p. XIX - XX.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Guimarães em Tempo de Guerra (Fim)




Com o fim da Maria da Fonte e da Patuleia, em 1847, o território vimaranense não mais conheceu a guerra no sentido clássico do termo (se é que pode classificar-se ou identificar-se a guerra com um determinado padrão num período relativamente longo). É verdade que, alguns anos após a Maria da Fonte, em 1862, os vimaranenses tremeriam com os tumultos da “Maria Bernarda”, em que o povo se manifestou novamente contra o pesado regime fiscal. Já nos finais do século XIX, novos tumultos surgiriam, desta vez nos mercados vimaranenses, contestando o aumento de preços dos géneros alimentares. Contudo, a guerra propriamente dita não foi esquecida em Guimarães. Ainda nos finais do século XIX, alguns militares vimaranenses ou pertencentes ao Regimento de Infantaria 20 aqui aquartelado, participaram nas duras campanhas de Angola e Moçambique. Com o século XX e com a República, os arredores de Guimarães conheceriam uma pequena escaramuça entre militantes monárquicos e republicanos, travada em Julho de 1911, havendo apenas alguns feridos. De Guimarães, pela mesma altura, sairiam alguns militantes monárquicos para engrossar as fileiras de Paiva Couceiro, comandante da resistência monárquica, que, por esta época, actuou nas zonas fronteiriças do norte do país. Em 1917, Portugal enviava os seus homens para a Flandres, onde morreram aos milhares. Há notícia de terem participado bastantes vimaranenses na Primeira Guerra Mundial. Alguns teriam a sorte de voltar à sua terra natal ilesos, outros regressariam mutilados ou loucos, mas muitos nunca voltariam a casa. Apenas um ano após a Primeira Guerra Mundial, em 1919, os monárquicos voltavam à carga e, por um apenas um mês, Portugal conheceria a Monarquia do Norte. Poucos anos depois, em 1926, surge um novo golpe militar feito a partir de Braga, o 28 de Maio. Nos anos finais do Estado Novo vemos novamente vimaranenses na guerra, a Guerra Colonial. Para por fim ao Estado Novo, vemos também vimaranenses a juntarem-se aos Capitães de Abril. Recentemente, sabemos terem estado vimaranenses no Afeganistão. Afinal, a guerra não acabou, apenas não está à nossa porta…

Como é natural, foi precisamente quando a guerra nos bateu à porta que se tornou mais sentida. O século XIX português foi fustigado por guerras que marcariam a sociedade de então e que, em certa medida e numa determinada fase, foram um dos principais factores para o atraso português.

Em Guimarães correu sangue pelas ruas. Amontoaram-se corpos pelos caminhos. Encheram-se hospitais de feridos e moribundos. Criaram-se heróis e vilãos, hoje quase todos esquecidos. Lutou-se pela independência. Lutou-se pelo que se acreditava e pelo que era imposto acreditar-se. Lutou-se pela sobrevivência. Viveu-se e morreu-se, com ou sem glória.

Com a Guerra Peninsular os vimaranenses uniram-se para lutar contra o invasor francês e ganharam. Poucos anos depois, dividiam-se na Guerra Civil que opôs liberais e absolutistas. Os liberais venceram, mas as suas ideias não seriam, numa primeira fase, firmemente implementadas. Houve uma mudança muito brusca e demasiada violência de parte a parte. Apenas 12 anos depois, o “povo” faria uma das poucas revoltas genuinamente populares que sucedeu em Portugal nos últimos 200 anos: a Maria da Fonte. A “Revolução do Minho”, como também ficou conhecida, seria uma revolta de origem conservadora (exigia-se um regresso ao passado e o clero teve uma grande preponderância) a que mais tarde se viriam a juntar os setembristas, tendo dado origem a uma nova guerra civil: a Patuleia. Finda a Patuleia, terminava meio século de guerra.

Foi esse meio século de guerra e a sua ligação mais ou menos directa com o território vimaranense que se procurou abordar neste conjunto de textos intitulados “Guimarães em Tempo de Guerra”. Foram tempos verdadeiramente difíceis, passados nas nossas ruas e protagonizados por um povo que, afinal, nem sempre foi de “brandos costumes”.

Guimarães em Tempo de Guerra XII

Após vários episódios relevantes da Maria da Fonte e da Patuleia (a Guerra Civil que se seguiu à revolta da Maria da Fonte), nomeadamente a sangrenta tomada de Braga pelo Barão do Casal (afecto ao Governo) e a fuga do «rebelde» miguelista Macdonnell, o Padre Casimiro José Vieira, «Defensor das Cinco Chagas e Comandante Geral das Forças Populares do Minho e Trás-os-Montes», regressaria a Guimarães. O Padre-General movimentava-se com todo o cuidado e procurava informar-se das posições do inimigo (as forças governamentais que se opunham à «revolução» popular). O receio era justificado. Em finais de Dezembro de 1846, corriam rumores que o General Barão do Casal ao tomar Braga (apesar de ter tentado evitar o combate), tinha dado ordens para que não se poupasse ninguém. Outra má notícia assustava o Padre Casimiro: dizia-se que tinha fugido para Guimarães o seu aliado General Macdonnell (um excêntrico que Camilo Castelo Branco descreveu como um bêbedo, estando sempre «muito rubro, naquela bebedeira crónica lhe assistiu na vida e na morte»). E dizia-se ainda mais: que o Barão do Casal, após a rendição do «povo» de Braga, tinha dado ordem para que não se fizessem prisioneiros, passando mais de trezentos homens «a fio de espada».

As notícias do massacre de Braga perturbaram, certamente, o Padre Casimiro que, poucos dias depois, sem saber muito bem o que fazer, se dirigiu primeiro a Vieira e depois a Guimarães. Em Guimarães tinha estado na Casa do Arco o General Macdonnell, que, entretanto, viria a retirar-se com o seu exército para Amarante. Pouco tempo depois seria assassinado em Vila Pouca de Aguiar.

É neste contexto de uma guerra quase perdida, que o «Defensor das Cinco Chagas» faz «duas surtidas» a Guimarães. Dizia um seu companheiro que «trazia ordens para [irem] primeiro a Guimarães dar vivas ao Senhor D. Miguel (…) porque era lá onde estavam os grandes recursos [munições e pólvora]». O Padre Casimiro acedeu e passaria por Guimarães para «receber a pólvora». Recebida a pólvora, o «Defensor das Cinco Chagas», andaria pelos arredores de Guimarães sem disparar um único tiro. A excepção foi uma escaramuça perto de Gonça onde, segundo o relato do Padre, se formou um batalhão de voluntários que ele comandava e que se terá envolvido num tiroteio serrado com a tropa de Guimarães. O recontro é descrito da seguinte maneira: «começou então um pequeno tiroteio com as vedetas, vendo-se outra porção de serzinos cortar-nos a retaguarda pelo único ponto por onde podíamos retirar (…) como levávamos mui pouca pólvora (…) e estava a findar a que levávamos, tratamos de retirar a toda a pressa, mas no maior risco e cobertos de um dilúvio de balas despedidas a distância de um tiro de pistola, que não sei como pudemos escapar.». Apesar da dificuldade enfrentada, um dos correligionários do Padre Casimiro por alcunha o «Caneta» queria por toda a força almoçar ali mesmo, no local do combate com o «povo». Num gesto de lucidez, o «Defensor das Cinco Chagas» preocupou-se com a defesa da vida dos seus homens e não cedeu às reivindicações gastronómicas do «Caneta». Pouco tempo depois, o Padre Casimiro José Vieira abandonaria o «Caneta» porque este metia o seu exército «em contínuos perigos». Na verdade, sem líderes capazes (Macdonnell tinha morrido) e sem meios, o «Defensor das Cinco Chagas» pouco podia fazer. A guerra estava quase terminada. E o Padre Casimiro era um dos vencidos.

Enquanto General, o Padre Casimiro José Vieira não regressaria mais a Guimarães. E o mesmo aconteceria com a Patuleia, a segunda Guerra Civil que Portugal teria num espaço de 12 anos.

Guimarães em Tempo de Guerra XI


No meu último artigo, citava o escritor vimaranense Costa Freitas para pôr como hipótese do início da revolta popular da Maria da Fonte freguesias do concelho de Guimarães (S. Torcato, Balazar, Sande e Fermentões). Mas, para esta crónica, mais importante do que tentar descortinar o local onde a revolta teve início é tentar saber quais foram as consequências que a Maria da Fonte trouxe a Guimarães. Como já referi, a antiga ponte de Santa Luzia, então às portas de Guimarães, terá sido o local onde se sentiram os primeiros confrontos entre as «autoridades» e o «povo». Contudo, a escaramuça não terá tido consequências muito graves, visto que o Administrador do Concelho, João de Oliveira Cardoso, com alguns Cabos de Polícia conseguiu por cobro aos tumultos. Relativamente perto de Guimarães, no concelho de Vieira do Minho, há algum tempo que as mulheres andavam indignadas, juntando-se em grupos armados de paus e foices roçadouras. A causa da indignação era, fundamentalmente, o peso dos novos impostos (o povo chamava aos impressos dos impostos «bilhetas») a que se juntava a proibição de enterrar os mortos dentro das Igrejas. No fundo, como se verá adiante, eram alguns aspectos da implantação do liberalismo que estavam em causa e a incapacidade de uma parte considerável da população para os compreender e aceitar. É neste contexto que surge um dos principais guerrilheiros da época, o Padre Casimiro José Vieira. Ao chegar junto à Casa da Administração de Vieira do Minho e ao ver homens e mulheres a destruírem uma serie de papéis (queriam destruir as «bilhetas» dos impostos), o Padre Casimiro ficou apreensivo. Achava que a populaça estava certa nas suas reivindicações, mas não queria ver toda a documentação da Administração destruída de forma aleatória. Decidido a impedir que o caos se instalasse, toma uma decisão – de forma muito consciente – que iria mudar a sua vida: pega num «pau de fogo» e queima os «papéis da (…) desgraça». Ao tomar esta atitude, o Padre Casimiro torna-se, naturalmente, o líder dos revoltosos naquela região. Com o passar do tempo e depois de uma serie de peripécias, o Padre Casimiro começava a consolidar o seu poder e tinha já sob o seu comando um bando de revoltosos. Ao crescente poder do Padre Casimiro responderam as autoridades com uma ordem de prisão. Audacioso, o Padre não cederia e tentaria prender os homens do Regimento 13 que o tinham tentado prender.

Os motins populares começavam a ganhar a forma de uma nova guerra civil e, sem grande margem para dúvidas, o Padre Casimiro José Vieira era um dos principais líderes dos revoltosos. Comandava ataques a alvos pré-determinados e um deles foi à «tropa» aquartelada em Guimarães. Nas suas memórias, o Padre Casimiro descreve assim o sucedido: «resolvemos (…) atacar a tropa a Guimarães (…). Reparti-lhes a pólvora que tinha recebido (…) e depois de ouvirmos missa por ser dia santificado, marchamos pelas onze horas para Guimarães. Determinei que os [povos] de Fafe descessem pelo convento da Costa e atacassem primeiro, principiando a bater fogo pelo sul, os de S. Torcato, que estavam postados na Madre Deus, em seguida pelo norte, os das Taipas que vinham por Santa Luzia, pelo poente e eu marchei pelo centro (…) direito ao Cano. (…) Os guerreiros de Fafe meteram-se dentro do convento da Costa (…) e de lá começaram a fazer fogo pelas janelas, contra as ordens que eu havia dado e, por mais que lhes fizesse sinal para descerem a Guimarães, não fui capaz de os desentocar dali (…) tal era a coragem destes valentes!! E o mesmo aconteceu com os [homens] de S. Torcato! Vi-me obrigado a [disparar] contra o castelo [mas] como a posição em que me [pus] estava a descoberto, começaram a cruzar ali as balas sobre nós (…). Terminado o fogo retiramos para S. Torcato (…)».

Findo este episódio, o Padre Casimiro voltaria a Vieira do Minho, andaria pelo Bom Jesus, Braga, Póvoa de Lanhoso e, algum tempo depois, voltaria a entrar em Guimarães, para negociar com o Visconde da Azenha e com o Barão de Almargem, membros da Junta Revolucionária que se tinha formado em Guimarães (curiosamente o Barão e o Visconde eram de facções políticas opostas).

Antes de chegar a Guimarães, o Padre Casimiro pernoitou nas Taipas. Aí, influenciado por um padre amigo, assumiria um «título» pelo qual passaria a ser conhecido: Padre Casimiro José Vieira, «Defensor das Cinco Chagas e Comandante Geral das Forças Populares do Minho e Trás-os-Montes».

Em Guimarães, as coisas não correram bem entre o Padre Casimiro e o Barão de Almargem visto que estes dois homens tinham «sentimentos [políticos] diametralmente opostos». Pouco tempo depois o «Defensor das Cinco Chagas» voltaria para atacar Guimarães. (continua).

(imagem: retrato do Padre Casimiro José Vieira)

Guimarães em Tempo de Guerra X

Terminada a revolução de Setembro, a paz não duraria muito tempo. Em 1846, começaria uma «revolução» popular (talvez uma das poucas revoltas portuguesas genuinamente populares) que ficaria conhecida por Maria da Fonte. A historiografia tende a localizar o início da Maria da Fonte na Póvoa de Lanhoso, ou em Vila Verde

(freguesias de Prado, Pico de Regaldos, etc.) mas José de Freitas Costa (n. 10/11/1833 e m. 1905), um vimaranense que conviveu com alguns dos protagonistas da Maria da Fonte, não tem dúvidas em dizer que «revolução» começou em Guimarães.

Vejamos o que nos diz Freitas Costa, no seu texto «Guimarães no Tempo da Maria da Fonte», publicado no jornal «O Progresso» entre 1899 e 1901: «A revolução popular de 1846 denominada do Minho, ou da Maria da Fonte, mas que também ficou se chamando Revolução de Maio, por ser no mês de Maio que ela se estendeu a quase todas as terras das províncias do norte, assim como a outros pontos do país, e por ser também nesse mês que se deu à queda do ministério que a provocara, não teve o seu princípio na Vila do Prado, nem em 15 de Abril, como se tem dito, mas sim nas freguesias do concelho de Guimarães, no dia anterior ao dessa data. E se da prioridade de datas maior glória resulta para as freguesias que mais se anteciparam em fazer ouvir o grito revolucionário, maior quinhão deve caber à de S. Torcato, que já em 27 de Março se havia manifestado contra a nova lei de saúde pública, chegando a apedrejar não só os empregados que ali foram para a fazer cumprir mas também o destacamento que estava em Guimarães e que nesse mesmo dia correu a auxilia-los.

Como porém nessa ocasião os sinos não tocaram a rebate, não obstante os soldados terem feito uso das armas, e como o rebate haja sido uma das manifestações mais características da Revolução do Minho, não a faremos datar em 27 de Março mas sim de 14 de Abril, dia em que ele se fez ouvir, rijo e continuado desde os campanários de Balazar e Sande até ao de Santa Eulália de Fermentões.

E não foi pequeno o alarme que esse rebate produziu em Guimarães! Tanto mais por lhe chegar acompanhado da repercussão de alguns tiros, assim como de notícias muito desfavoráveis acerca das intenções dos sublevados.

Informado delas, o Administrador do Concelho, João António de Oliveira Cardoso, como por essa ocasião a vila se achasse sem guarnição militar, mandou logo reunir os cabos de polícia no Terreiro da Misericórdia, e com eles os seus empregados também armados. Sabendo que os amotinados se haviam apoderado de algumas armas da polícia das aldeias, e exigindo dos regedores a entrega de uns impressos que tinham em seu poder (…) nem por isso se sentiu descoroçoado com o receio que eles viessem repetir igual exigência dentro da vila; reunidos que foram os seus subordinados, auxiliados por alguns particulares que se lhe ofereceram para os acompanhar, dirigiu-se à ponte de Santa Luzia, para aí ordenar e delinear a defesa que projectava.

Chegados que foram ao meio da ponte, avistaram logo (…) uma cerrada coluna de populares, prestes a desce-la seu tambor à frente, mas cujo som mal se fazia ouvir de tão abafado que o tornava ensurdecedora vozeria com que levantavam seu furioso grito de guerra: viva a rainha e tributos abaixo!

Avisados para que não avançassem, não só desprezaram o aviso, como trataram de acelerar o passo. O resultado da sua teimosia foi o serem recebidos com alguns tiros dos quais um, posto que feito como todos os outros, com pontaria alta, ou em direcção de os não alvejar, foi acertar num pobre homem, que nada tinha com os combatentes mas vítima da sua curiosidade caiu mortalmente ferido (…).

A debandada dos populares foi imediata; ainda chegaram a disparar algumas das poucas armas que traziam, o abalo que sentiram com o inesperado choque foi tão forte que, impedidos por ele, só pararam à distância de não poderem ser alcançados pelas balas da polícia, ainda que fossem de triplicado alcance

Pouco depois (…) já rebate igual ao do dia anterior começava de lhe soar aos ouvidos, parecendo-lhe vindo lá dos memos lados. E não se enganava; eram realmente os mesmos sinos, que na véspera anunciaram a vinda do povo, os que agora estavam sendo tangidos com igual fúria e desespero, se não maior ainda. Tratou pois de se por à frente da polícia e dos indivíduos que no dia anterior a haviam acompanhado à Ponte de Santa Luzia, e com eles correu a ocupar esse mesmo posto. Ali chegado, notou que os tiros que nesse momento se estavam ouvindo, eram mais vivamente repetidos e como que disparados em combate que se estava ferindo. Não se enganou também: esses tiros eram efectivamente resultantes da perseguição que os populares vinham fazendo desde Sande a um destacamento do 8 que de braga se dirigia a Guimarães (…).

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Uma relação proibida na Braga de 1904


Se nos tempos actuais a diversidade de relações amorosas é aceite social e/ou juridicamente nas sociedades europeias, até recentemente, fruto de sociedades de pendor tradicionalista, as relações amorosas que escapassem do âmago do casamento, na maioria dos casos estabelecidos como manutenção do status quo social e financeiro, eram reprimidas social e juridicamente, como se pode ver pela forma como eram mal aceites os casamentos entre pessoas de estratos sociais diferentes ou as relações extra-matrimoniais.
Na maioria dos casos a vergonha e decoro social impediam que estes casos fossem discutidos abertamente na praça pública. Contudo, por vezes, fruto do destaque dos protagonistas ou pelo abalo que estes casos adquiriam, alguns extravasavam para a discussão pública. O caso que esta crónica relata, provavelmente verídica nos seus traços gerais, é mesmo disto exemplo.
Deixando lavrado o seu lado desta história - como reacção à publicação de um comunicado de 1 de Julho de 1904, no portuense “Primeiro de Janeiro”, pelo co-protagonista Alferes Salustiano de Sousa Correia (do Infantaria 8), que esta considerava como sendo “um conjunto de falsidades” -, uma das co-protagonistas, a suíça Matilde Fritschi Oehen, num “Instrumento de Declaração” do mesmo dia, realizado na sua casa (onde se sediava igualmente a “Pastelaria Suíça e Portuguesa”) e na presença do notário bracarense António Cândido Vieira Araújo e de quatro testemunhas suas vizinhas, confessava-se aí “intimamente arrependida da sua falta”.
Considerando o Alferes Salustiano como único responsável por esta ter abandonado o seu marido João Oehen, segundo a sua versão, este com o intuito de a conquistar, ao frequentar assiduamente a sua pastelaria, começou por insinuar que se seu marido não lhe “oferecia a existência livre e desafogada que ela deveria ter”, ele poderia oferecer tal desafogo, mas com a condicionante que ela o acompanhasse. Subindo a parada neste jogo de sedução, e “conhecendo-se já um pouco senhor do espírito fraco da declarante”, convidou-a a acompanhá-lo em passeios matutinos, sendo este convite primeiramente recusado mas posteriormente aceite. No seguimento destes passeios, dados pelos arrabaldes da cidade de Braga, o Alferes procurou “estar a sós com a declarante e profanar-lhe o próprio lar”. Esta profanação, de acordo com a própria, deu-se numa noite em que, após o Alferes oferecer um bilhete de teatro a seu marido como meio de o retirar do caminho, “como tivesse a certeza de o ter seguro, voltou ou veio à pastelaria e, entrando num dos gabinetes, para lá atraiu a declarante, sendo esse o prelúdio desta triste história”.
Após este facto consumado, à uma da manhã de vinte e sete de Junho de 1904, Matilde, abandonando o seu lar e seu marido que então dormia, “a conselho e instigações do referido Alferes (…) segundo o plano traçado por ele”, e levando consigo uma sua filha de 14 meses, encontrou-se com este, ficando ambos hospedados num hotel à espera do comboio da manhã seguinte para o Porto, tendo no dia anterior o Alferes despachado a bagagem. Aí chegados, hospedaram-se no Hotel Portuense sob nomes falsos.
Perante os parâmetros deste caso, a imprensa bracarense e possivelmente portuense dedicou-lhe algumas alusões, tendo o “Comércio do Minho” na sua edição de vinte e oito de Junho relatado este caso como uma fuga, referindo ainda como e para onde se tinham dirigido os protagonistas, e que, devido à queixa apresentada pelo seu marido, tinham sido “tomadas medidas para capturar a fugitiva”.
Tais medidas levaram a que polícia civil, pelas onze horas da manhã do dia vinte e oito de Junho, a detivesse no Hotel Portuense, impedindo-a assim de regressar a Braga e ao seu marido, como tinha planeado fazer, motivada por um jornal que o Alferes nessa mesma manhã lhe tinha mostrado, onde se relatava o seu rapto e as medidas tomadas pelo seu marido para a encontrar.
Conduzida à esquadra policial, para prestar declarações, no que foi sempre acompanhada pelo Alferes, dirigindo-se com ela, igualmente, para a Gare de São Bento, “aconselhando-a, ainda aí, a que não continuasse em companhia do marido”.
Acabando o seu “Instrumento de Declaração”, Matilde refutou as acusações, feitas no comunicado do Alferes, da sua suposta intenção de falar com o Cônsul suíço no Porto ou “a afirmação dos ralhos e maus tratos por parte do marido, pois nunca sofreu dele a menor afronta, a não ser esses pequenos nadas que se dão em todos os lares”, confirmando somente que teria aceitado dois mil reis, dados pelo Alferes, para o bilhete de comboio.
Se João Oehen, segundo notícia do “Comércio do Minho” de 2 de Julho, apresentou queixa, ao Comandante do Infantaria 8, pelo comportamento do Alferes neste caso, é de se perguntar, perante este escândalo público, como teria ficado o casamento dos Oehens no curto e médio prazo. Contudo, se por interesse ou se por amor puro, o que é facto é que este mesmo casal continuaria junto, chegando a ter uma nova filha passados seis anos após este caso.

Guimarães em Tempo de Guerra IX

Com o fim da Guerra Civil e com a tomada de poder pelos liberais começaram a ser implementadas algumas medidas que iriam transformar profundamente a sociedade. Contudo os liberais não eram uma massa homogénea e divergiam em diversas matérias. Uma dessas matérias era a Constituição. Havia uma divisão profunda entre aqueles que defendiam a Carta Constitucional e aqueles que defendiam a Constituição de 1822.

No dia 9 de Setembro de 1836, em Lisboa, a Guarda Nacional tomava o poder e proclamava a Constituição de 1822. Era a Revolução de Setembro. Apadrinhada por alguns políticos com prestígio como Manuel da Silva Passos (conhecido por Passos Manuel) e António Vieira de Castro (natural da Casa do Ermo, em Fafe), o setembrismo iria durar alguns anos, caracterizando-se por uma agitação quase permanente.

Quando a notícia da Revolução de Setembro chegou a Guimarães não entusiasmou quase ninguém. Nas palavras de um contemporâneo “mais parecia função de enterro do que de regozijo”. A vila parecia indiferente ao sucedido, mas cedo as coisas iriam mudar. As divisões na sociedade eram notórias. Os setembristas (conhecidos por “mijados”) estavam divididos em duas alas, uma mais radical e outra mais moderada. Os cartistas (conhecidos por “chamorros”) defendiam a Carta Constitucional de 1826, queriam acabar com o setembrismo e abolir a Constituição de 1822 posta em vigor pela Revolução de Setembro. E por fim ainda subsistiam miguelistas que, como é sabido, queriam acabar com o liberalismo…

Foi no meio desta confusão que em 1838 se convocaram eleições. Em Guimarães, os setembristas tinham poucas hipóteses de ganhar as eleições e pareceu-lhes razoável sabotar o acto eleitoral. À cabeça dos setembristas vimaranenses estava o deputado José Fortunato Ferreira de Castro e o General da Província Barão de Almargem. Mas, como é lógico, não foram estes dois homens que encabeçaram o motim em que se sabotaram as eleições. Para esse fim chamaram Frei Domingos “Pedreira”, um conhecido “façanhudo”, que em troca do serviço encomendado pediu a eleição do seu irmão (Frei Manuel dos Prazeres e Silva) como deputado. Com este acordo firmado, o Frade convenceu o Regimento 18 aquartelado em Guimarães a dirigir-se à paisana ao largo da Oliveira, onde se iria proceder à contagem dos votos. A tarefa de convencer um Regimento a agir desta maneira poderá ter sido mais fácil do que à primeira vista possa parecer. E foi-o, em primeiro lugar, porque os soldados sabiam ter a protecção do General da Província e, em segundo lugar, estes soldados, por razões que desconhecemos, já tinham tentado assassinar o seu Coronel, o que nos leva a crer que, para além da disciplina não ser o forte daqueles militares, qualquer acção que vexasse o seu Coronel seria para aquela gente motivo de satisfação.

Na altura da contagem dos votos, na Praça da Oliveira, tudo parecia estar sossegado. Mas a acalmia iria durar pouco. Segundo um relato da época, no meio da multidão que assistia ao acto apareceu “Frei Domingos Pedreira, com uma clavina em uma mão e uma espada na outra entrando a dizer: leva a riba, morram os traidores!. Aí principiaram alguns soldados do nº 18 (disfarçados em paisanos) a dar pancadas naqueles que eram chamorros, e ao mesmo tempo que estes malvados espancavam desapiedadamente cidadãos probos, subiram outros pela casa da câmara acima e depois de espancarem alguns portadores das Actas, que acompanhavam a Meza, lançaram mão da urna e mais papéis pertencentes à eleição e fugiram com ela para o terreiro da Misericórdia, aonde um célebre filho do Domingos José Soares, os reduziu a cinzas. Assim terminou este acto, que, pelas leis, devia ser respeitado tendo em resultado o ficarem algumas pessoas feridas”.

Os setembristas quase levaram a melhor nestas eleições. Com o roubo dos “papéis” que não interessavam falsificaram-se as eleições e José Fortunato Ferreira de Castro sairia eleito deputado. O Frei Domingos não teria tanta sorte pois Ferreira de Castro não cumpriria o combinado, ficando o irmão do frade apenas como deputado substituto. Contudo, em Lisboa, ao saber-se da sabotagem e do escândalo as eleições foram anuladas.

Em 1839 o setembrismo já começava a definhar um pouco por todo o país. Em Guimarães, nesse mesmo ano, morria assassinado Frei Domingos, possivelmente por motivos políticos. Com o final do setembrismo, em 1842, o país pedia paz. Mas quatro anos depois chegava a Maria da Fonte.

Guimarães em Tempo de Guerra VIII

Guimarães, 1832, auge da Guerra Civil. Nos arredores de Guimarães os homens de D. Miguel combatem as guerrilhas dos constitucionais. Em Guimarães vive-se com medo. Os boatos sobre a entrada das guerrilhas na Vila deixam em sobressalto a população. Qualquer ruído ou agitação fora do normal assusta os vimaranenses, que tudo associam à guerra. Na Rua de Santo António, as patadas “de uma besta” (provavelmente um cavalo) no chão de uma loja são confundidas com tiros, fazendo fugir soldados miguelistas.

Em Fafe as guerrilhas constitucionais aclamam D. Maria como Rainha, alarmando os miguelistas da região. Em Guimarães, no Toural, aparece um frade franciscano (o Mestre Braga), miguelista. Trás um tambor que toca para reunir a população, que instiga a pegar em armas a favor de D. Miguel. Quase ninguém lhe ligou e, em duas horas, foi forçado a deixar a Vila.

Aos hospitais de Guimarães chegam centenas soldados de D. Miguel feridos durante o Cerco do Porto. Amontoam-se nos hospitais que parecem não ter capacidade para tratar tanta gente. No Hospital da Venerável Ordem Terceira de São Francisco, dois soldados doentes envolvem-se numa luta, acabando um deles morto à facada. Os hospitais de Guimarães estão lotados e algumas casas particulares transformam-se em hospitais.

No dia 24 de Janeiro de 1833, houve-se em Guimarães um barulho ensurdecedor: era uma esquadra de navios que estava na barra do Douro a responsável pelo “fogo de artilharia” que se ouvia em Guimarães.

De Guimarães continuavam a sair regularmente centenas de homens que iam combater os constitucionais nos arredores da Vila e no Porto. Para além dos homens saiam também dez carros de pão por dia para alimentar as tropas de D. Miguel e diversos géneros indispensáveis ao esforço de guerra miguelista. A população estava cansada da guerra, mas, segundo uma efeméride coeva, quando a 20 de Maio de 1833, entra inesperadamente em Guimarães D. Miguel “houve imensos repiques de sinos, foguetes no ar e cobertores nas janelas, havendo muitos vivas [e] à noite houve iluminação geral”. A festa seria curta, pois D. Miguel rapidamente deixaria Guimarães.

No Porto os combates entre miguelistas e constitucionais continuavam dia após dia e a Guimarães iam chegando cada vez mais feridos que, ao que parece, mal se encontravam restabelecidos estavam prontos para causar distúrbios.

De volta ao Toural e a Guimarães estava o Frade Mestre Braga, que, a 30 de Novembro de 1833, do púlpito da Igreja de São Pedro, insultava D. Pedro e os constitucionais tentando, mais uma vez, mobilizar mais vimaranenses para o exército de D. Miguel. Na verdade, no final do ano de 1833, a situação para os miguelistas vimaranenses começava a ser preocupante. De vários lados começavam a chegar notícias de terem sido avistadas “guerrilhas constitucionais” perto de Guimarães. Para combater estas guerrilhas eram enviadas as poucas patrulhas de Voluntários Realistas que raramente conseguiam sucessos.

A 23 de Março de 1834 o General Barão de Vila Pouca – até então partidário de D. Miguel – recebe ordem de prisão por se suspeitar que apoiava os constitucionais. Ao dirigir-se à Casa de Vila Pouca para deter o Barão, o meirinho encarregado da tarefa não o consegue capturar. O Barão tinha fugido e corria o boato que se tinha juntado à guerrilha constitucional de Vieira do Minho. O boato era verdadeiro, porque a 24 de Março de 1834 o Barão de Vila Pouca onde proclamava como rainha D. Maria II…

Nos finais de Março, em Santo Tirso, entrava uma parte do exército de D. Maria II, desbaratando os homens de D. Miguel que ainda lá se encontravam. Alguns soldados miguelistas puseram-se em fuga para Guimarães, onde procuraram refugio e assistência. Por esta altura os miguelistas vimaranenses tremiam e punham-se em fuga. Tinham razões para o fazer. A 27 de Março de 1834 entrava em Guimarães o General Barão do Pico do Celeiro, comandando uma divisão constitucional.

Guimarães tinha caído nas mãos dos constitucionais e os miguelistas estavam definitivamente derrotados. No dia 28 de Março era aclamada em Guimarães D. Maria II e é formada uma nova Câmara Municipal, com membros afectos à nova Rainha.

A Guerra Civil estava prestes a terminar, mas os anos que se seguiriam seriam muito turbulentos…

Guimarães em Tempo de Guerra VII


Com o fim da Guerra Civil, chegaram a Guimarães muitos dos constitucionais que tinha estado presos em diversos pontos do país e do globo. Vinham dos mortíferos presídios de África, dos exílios mais ou menos dourados na Europa e, na sua grande maioria, das diversas cadeias miguelistas em Portugal. Estes prisioneiros, militares e políticos, chegavam a Guimarães após longos anos de sofrimentos e perdas irreparáveis. A título de exemplo podemos referir os casos do Capitão de Milícias Inácio Moniz Coelho da Silva e do Tenente de Milícias José Manuel da Costa. O primeiro, grande proprietário, descendente de uma ilustre Casa de Celorico de Basto (Casa da Veiga), viu-se pronunciado na “Devassa de 1828”, foi capturado, privado de todas as suas honras e privilégios e condenado a ser levado pelas ruas do Porto com um pregão, em direcção à forca onde deveria morrer (a cabeça, após o enforcamento, deveria ser cortada e exposta no Toural, numa estaca, durante três dias). A sua pena foi comutada em degredo para Inhambane (Moçambique) onde esteve de 1828 até 1837, altura em que conseguiu regressar a Guimarães. O segundo, botequineiro no Toural, foi capturado em 1828, tendo estado preso em Braga e Guimarães. Em Guimarães, na cadeia, soube da notícia da morte da sua mulher e do seu pai (deixando os seus filhos a cargo de um amigo), pouco tempo antes de ser transferido para a prisão da Covilhã onde ficou até 1834.

Quando estes e muitos outros homens chegaram a Guimarães os seus sentimentos eram dúbios. Se por um lado tinham vontade de regressar para suas casas e para junto de suas famílias, por outro lado havia neles um desejo de vingança para com aqueles que os tinham denunciado ou capturado. Nos anos que se seguiram à Guerra Civil, deram-se diversos casos de violências contra os miguelistas que permaneceram em Guimarães. Algumas das vinganças mais violentas, chocaram Guimarães, tendo sido anotadas pelo Cónego Pereira Lopes Lima (já referido nestas crónicas). Vejamos alguns casos:

19/04/1834 -“Foram alguns indivíduos a casa do Mendes, mercador, morador atrás do Tanque e lhe deram muitas espadadas e facadas, cortando-lhe até o nariz. Foi por ele ser testemunha contra alguns constitucionais na Devassa de 1828”.

20/06/1834 – “De noite indo o padre José Dionísio e o Coelho Bombeiro, sargento de caçadores 12, a casa de José Pasteleiro, à Rua de Donães, e tendo o supradito padre tirado satisfação com o José Pasteleiro por ele ter jurado contra ele por constitucional, e até tendo-o ferido com uma espada, o José Pasteleiro pegou em uma clavina que tinha atrás da porta e deu um tiro, do qual matou o tal Coelho, fugindo o pasteleiro ferido e muito mal tratado. Depois deste fatal acontecimento acudiu muito povo e voluntários do batalhão móvel e entraram na casa do Pasteleiro e lhe roubaram quase tudo, deitando fogo à casa que, por logo acudirem, não progrediu. (….)O defunto sargento, homem que tinha feito grandes serviços à causa constitucional, tendo entrada em quase todas as acções, estava à espera de sair oficial. Foi sepultado na tarde do dia seguinte no Campo Santo.”

21/06/1834 -“Deram umas poucas de facadas em um homem, na Rua de S. Domingos, por ter jurado contra constitucionais. Foi para o hospital quasi morto. Chamava-se "O Seco", e morava em S. Lázaro”

Para além destas vinganças levadas a cabo pelos constitucionais, Guimarães vivia momentos de autentico caos.O assassinato de um membro do Batalhão Móvel de Guimarães (corpo formado por constitucionais) parece demonstrar que apesar do clima de terror imposto pelos constitucionais, havia quem lhes fizesse frente e, acima de tudo, revela o clima de desordem que se vivia. O caso, de contornos bastante estranhos, deu-se da seguinte forma: “Na portaria das freiras Capuchas apareceu morto um voluntário do batalhão móvel desta vila, com os testículos negros e esmagados, pelo que se presumiu que lhos esmagaram”.

Não eram só as vinganças que marcavam a actualidade de então. Os constitucionais queriam receber indemnizações pelos danos sofridos durante o período de domínio miguelista. E queriam, também, aceder aos cargos e empregos até então ocupados pelos partidários de D. Miguel.

Pouco tempo depois de vencerem a guerra, os constitucionais começavam a batalhar entre si, pela justiça, pelos empregos e pela política.


(na imagem José Manuel da Costa, Tenente de Milícias e dono do Botequim do Vago-Mestre no Toural)

Guimarães em Tempo de Guerra VI


Em 1829, com o auge da Guerra Civil a aproximar-se, vivia-se um clima de profunda divisão política. Como já referi, as rivalidades políticas estavam em todo o lado: nas instituições, nas ruas e até nas famílias.

Na Santa Casa da Misericórdia de Guimarães, por exemplo, o Provedor Fortunato Cardoso de Menezes Barreto (Major do Batalhão de Voluntários Realistas e um dos mais acérrimos miguelistas vimaranenses), propôs, a 17 de Março de 1829, a expulsão do cónego João Baptista Gonçalves, de José Fortunato Ferreira de Castro, de Joaquim Pinto Teixeira de Carvalho, de Jerónimo Vaz Vieira de Melo e Alvim (Fidalgo do Toural), de Manuel José Ferreira Marranico, de José Joaquim de Sousa Peralta, de Mateus de Passos Lima e de Domingos José Soares, por não haver “notícia certa da sua estada, ou domicílio” (estavam fugidos) e por ser “público e bem notório que todos estes se achavam envolvidos em crimes políticos, e alguns já presos por matéria de rebelião, contra a Augusta Soberania de El-rei o senhor D. Miguel I Nosso Senhor”. A Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira ficaria sem o seu Cónego Mestre-Escola, João Manuel da Guerra, preso por ser constitucional em 1828. Cerca de um ano depois, em Julho de 1829, os Cónegos da Colegiada (à época todos miguelistas) recebem de D. Miguel a medalha com a sua Real Efígie, sendo desta forma premiada a sua fidelidade ao Rei.

Nas ruas a violência continuava e existem diversos relatos de constitucionais mortos ou espancados a pretexto das suas “opiniões políticas”. Entretanto, iam chegando notícias das mortes nas prisões miguelistas, deixando muitas famílias enlutadas. Era precisamente no seio famílias que a expressão “guerra fratricida” fazia mais sentido. Várias foram as famílias que, durante este período, se viram divididas por questões políticas. Os irmãos Henrique e Domingos Cardoso de Macedo (Casa de Margaride) foram um desses casos, embora sem consequências de maior. Henrique era apoiante dos liberais e Domingos era miguelista e Capitão-Mór de Guimarães, tendo a seu cargo a responsabilidade de prender os constitucionais fugidos ou pronunciados. Tanto quanto se sabe, terá sido moderado para com o seu irmão mais novo, não o prendendo ou desamparado.

Muitas destas famílias, vendo os seus filhos presos pelos Miguelistas, não hesitavam em dar donativos, em dinheiro ou em géneros, ao exército de D. Miguel. Se é certo que umas o faziam por pressões (quem tivesse possibilidades e se recusasse a contribuir para o exército miguelista ficaria mal visto), outras faziam-no por convicções políticas, que mantinham apesar de verem presos os seus parentes. Um dos casos mais paradigmáticos destes antagonismos políticos no seio das famílias foi o de Damião Pereira da Silva de Sousa e Menezes. Sendo Juiz de Fora em Guimarães no ano de 1828, ordenou a prisão de centenas de constitucionais vimaranenses. D. Miguel, reconhecendo os seus serviços e fidelidade, concedeu-lhe a Medalha de Sua Real Efígie em 1829. Continuou a bater-se por D. Miguel e pelos valores em que acreditava. Contudo, terá ficado chocado, quando soube que o seu tio Francisco Sousa e Menezes, tinha sido assassinado à machadada por miguelistas na cadeia de Estremoz, onde se encontrava preso por opiniões políticas…

Apesar das prisões políticas e da violência nas ruas, a Guerra Civil ainda não tinha atingido o seu auge. Mas a oito de Julho de 1832, as tropas afectas a D. Pedro desembarcavam na praia de Pampelido. A nove do mesmo mês já estavam no Porto. Pouco tempo depois, o Porto encontrava-se praticamente cercado pelas tropas miguelistas. Assim se atingia o ponto alto da Guerra Civil.

Por esta altura sairiam de Guimarães centenas de homens para auxiliarem o exército miguelista nos combates com as tropas liberais. Muitos dos que voltavam para Guimarães, davam entrada no Hospital da Santa Casa da Misericórdia, gravemente feridos ou doentes. Na Vila de Guimarães ouvia-se regularmente “fogo para as partes do Porto”. A população vivia em sobressalto constante, ao ver as levas de homens que saiam para combater as “guerrilhas” constitucionais que actuavam na Falperra e nas serranias de Fafe. Os tempos eram de Guerra.

Guimarães em Tempo de Guerra V

No ano de 1828, em Guimarães, o medo estava instalado no seio dos apoiantes do liberalismo. O Juiz de Fora, Damião Pereira da Silva Sousa e Menezes, tinha iniciado um “Auto de Devassa” onde foi dada ordem de prisão e de apreensão de bens a mais de cem vimaranenses ligados à causa constitucional.

Pelas ruas de Guimarães desfilavam, por esta altura, levas de presos constitucionais em direcção às diversas cadeias miguelistas. Eram, por regra, insultados pela população e iam algemados, em fila e atados com cordas, para a humilhação ser maior.

Muitos daqueles que tinham fugido depois da revolta falhada de 16 de Maio de 1828 tentavam agora refugiar-se no interior do país e até nas grandes cidades, tentando passar desapercebidos. Assim aconteceu a José de Sousa Bandeira, proprietário do incendiário jornal constitucional “Azemel Vimaranense”. Bandeira, que se encontrava escondido no Porto, foi capturado e condenado à morte, tendo sido a sua pena comutada em degredo. O antigo Capitão de Milícias de Guimarães, Inácio Moniz Coelho, viria a ter igual sorte. Refugiado na sua quinta em Basto (Casa da Veiga), seria capturado e sentenciado à forca, devendo a sua cabeça, logo após o enforcamento, ser cortada e colocada num poste na praça do Toural. A sua pena também seria comutada em degredo perpétuo para Inhambane (e para ali foi, tendo regressado a Guimarães em 1837).

As perseguições e prisões não faziam distinções de classe social ou de género, como se pode ver pelos casos acima referidos. Exemplo disso foi o sucedido com uma mulher, Francisca Teresa, que se atreveu, em pleno Toural, a proferir expressões “sediciosas e anárquicas” contra D. Miguel. Foi capturada e condenada a cinco anos de degredo para Cabo Verde.

Nas ruas, o clima era de insegurança para os poucos constitucionais que ainda estavam na cidade. A 14 de Setembro de 1829, foram espancados diversos constitucionais no Toural e noutras partes da Vila. Entre eles estavam o Bacharel José Ferreira Alves Costa e o também Bacharel e Cavaleiro da Ordem de Cristo Henrique Navarro de Andrade. A fama de se ser apoiante do “sistema constitucional” era suficiente para se ser vítima das mais diversas violências. Durante este período não foram raras as vezes em que se encontraram mortos nas ruas, vítimas de espancamentos ou assassinados das mais variadas formas, recaindo as suspeitas sobre os apoiantes de D. Miguel. Contudo sabe-se que, nesta época, a política foi usada como pretexto para acertar contas antigas, havendo dúvidas sobre os verdadeiros motivos que levaram a estas mortes. Se as ruas não eram um lugar seguro para os constitucionais, as suas próprias casas também não o eram. Entre 1829 e 1830, foram efectuadas buscas em diversas casas de constitucionais vimaranenses, com o intuito de prender aqueles que estavam fugidos à justiça. Os relatos de que temos conhecimento demonstram que essas buscas eram, por regra, infrutíferas. A explicação passará, certamente, pelo facto de as próprias casas em que os constitucionais residiam, sendo um local óbvio para efectuar uma busca, não serem mais do que uma solução de último recurso. Por outro lado, nas aldeias mais remotas do termo de Guimarães começavam a entrar em acção pequenas guerrilhas de constitucionais que, muito provavelmente, eram constituídas por aqueles a quem tinha sido dada ordem de prisão e que tinham saído de Guimarães. Nesta fase, as acções destas guerrilhas limitavam-se a causar pequenos distúrbios ou a tentar causar algumas baixas nos “Batalhões de Voluntários Realistas” (afectos a D. Miguel) que faziam o “policiamento” do termo de Guimarães, tentando capturar presos fugidos, ou constitucionais “desaparecidos”. Um exemplo caricato do papel destas guerrilhas. datado de 16 de Março de 1830, chega-nos através de um contemporâneo já mencionado nestes textos (o Cónego Pereira Lopes Lima) e diz-nos que “na ponte de Bouças, perto de Fafe, apareceu uma partida de constitucionais fazendo com que todos os passageiros dessem vivas ao sr. D. Pedro”. O episódio desta “aclamação” de D. Pedro em Bouças mostra a irrelevância de muitos dos actos destas guerrilhas (a região era, de facto dominada pelo Exército de D. Miguel), mas também demonstra uma certa capacidade de resistência e vontade de batalhar que, num futuro próximo, viria a ter algum impacto a nível local.

Se nos arredores de Guimarães as guerrilhas causavam alguns distúrbios e davam guarida aos constitucionais fugidos, na vila de Guimarães continuavam a desfilar pelas principais praças e ruas dezenas de presos por opiniões políticas, que iam sendo transferidos para as mais variadas prisões do país.

As diversas prisões efectuadas durante este período, não conseguiram solucionar um problema que dividia profundamente a sociedade portuguesa de então. As rivalidades políticas estavam em todo o lado: nas ruas, na Igreja e dentro das próprias famílias que, não raras vezes, alimentavam no seu seio profundos antagonismos políticos.

Guimarães em Tempo de Guerra IV


Foi com pequenas escaramuças que se começou a sentir o princípio da Guerra Civil em Guimarães. Em 1826, liberais e absolutistas defrontavam-se pelas ruas das cidades portuguesas, deixando antever o que iriam ser os anos seguintes para Portugal.

Em 1827 os dois irmãos, D. Miguel e D. Pedro, chegariam a um acordo e D. Miguel seria nomeado regente de Portugal (isto após ter jurado a Carta Constitucional e se ter comprometido a casar com a sua sobrinha, D. Maria). O regresso de D. Miguel a Portugal, agora como regente, deixou ficar muitos dos constitucionais apreensivos. Contudo, alguns dos constitucionais vimaranenses mais optimistas, chegaram mesmo a levantar uma bandeira no Toural para comemorar a chegada de D. Miguel ao reino e o juramento da Carta Constitucional. A 31 de Janeiro de 1827 D. Miguel é aclamado em Guimarães como Rei de Portugal.

À medida que o ano de 1828 ia avançando, tornava-se claro que D. Miguel não tencionava cumprir as suas promessas. Ao dissolver a Câmara dos Deputados, em Março de 28, D. Miguel passava por cima da Carta e acabava com as ilusões dos poucos constitucionais que acreditavam nas suas boas intenções. Pouco tempo depois, em Maio, convocaria as Cortes à maneira antiga, não deixando dúvidas aos constitucionais sobre aquilo que pretendia.

Em Guimarães, os absolutistas celebravam o regresso do seu Rei, saindo à rua em festa, entre repiques de sinos e foguetório. Os constitucionais, inconformados com a situação, conspiravam em diversos pontos da vila. Quando a 16 de Maio de 1828 se dá um pronunciamento militar no Porto, os constitucionais vimaranenses apressaram-se a juntar-se aos militares revoltosos.

No dia 1 de Junho, após a entrada do Cavalaria 12 em Guimarães, D. Pedro IV era aclamado como rei, sendo o auto de aclamação assinado por 94 pessoas das quais 55 eram militares. No dia 7 do mesmo mês, Jerónimo Vaz Vieira de Melo e Alvim e Nápoles (um dos maiores apoiantes do liberalismo vimaranenses, também conhecido por “fidalgo do Toural”), na qualidade de comandante do 4º Batalhão de Voluntários Reais de D. Pedro IV, chamava o povo às armas, convidando-o a alistar-se no referido Batalhão. O “fidalgo do Toural” tinha razões para o fazer, pois não se avizinhavam tempos fáceis e eram necessários homens para a guerra.

Nos finais de Junho, Guimarães cairia, sem grande resistência, nas mãos dos absolutistas, com a entrada na vila do Coronel Raimundo José Pinheiro. No dia 27 era a vez dos constitucionais tomarem o poder, pela mão do Coronel António Inácio Cayola. A entrada do Coronel Cayola em Guimarães fez-se com facilidade pois, de acordo com um relato da época (feito por um liberal), Cayola desbaratou as tropas de Raimundo que se refugiariam nos arredores da vila.

Apenas um dia após a sua retirada, os soldados absolutistas entrariam subitamente na vila, com o intuito de surpreender os constitucionais. O sucedido é relatado por Silva Maia nas suas “Memórias (…) da Revolução do Porto” (ed. de 1841) da seguinte forma: “[as tropas absolutistas] pretenderam surpreender os constitucionais; [caíram furiosas] sobre estes, sem a menor disciplina, entregando-se como frenéticos nas bocas de fogo; o Coronel Raimundo, seu chefe, lhes havia distribuído muito vinho e neste estado de embriaguez é que o inimigo veio fazer o ataque; é fácil prever qual seria o resultado: 260 ficaram mortos, porque sem temerem a metralha vinham colocar-se diante da artilharia, animados, alem da embriaguez, pelos frades Dominicanos de Guimarães”. De acordo com a mesma fonte, depois deste massacre, os constitucionais vimaranenses, furiosos com os frades de São Domingos, saquearam o seu Convento “e mataram nove frades”.

Com um exército menos numeroso que o dos absolutistas, sem lideres militares capazes, sem chefias políticas e com algumas divergências internas à mistura, os constitucionais acabariam por ser vencidos. No Minho, foram as tropas do General D. Álvaro de Sousa Macedo a derrotarem os constitucionais que ainda tentavam defender as localidades recentemente dominadas. No dia 7 de Julho, D. Álvaro já se encontrava em Guimarães e, no dia 16 do mesmo mês, D. Miguel era, novamente, aclamado pelos vimaranenses como rei de Portugal.

Os constitucionais, derrotados, fugiriam para Espanha, ou tentariam esconder-se no interior do país. Ao chegarem à Galiza foram desarmados e intimados pelas autoridades espanholas a abandonar o território em trinta dias. Caso não o fizessem seriam presos e entregues às autoridades portuguesas. Desesperados procuraram solucionar a situação em que se encontravam. Os mais abastados emigrariam para Inglaterra. Jerónimo Vaz Vieira - o fidalgo do Toural - fugiria para a Terceira, onde viria a falecer em 1829. Os outros, aqueles que se tentaram esconder em Portugal, viveram momentos bastante delicados. Só em Guimarães, por terem estado envolvidos na revolta de 16 de Maio, foram pronunciados mais de cem constitucionais. Foi-lhes dada ordem de prisão e de sequestro dos seus bens.

Com as prisões dos apoiantes de D. Pedro, começaria um período que ficou conhecido como “o terror miguelista”. Encontrava-se a morte nas prisões e nas ruas. A guerra fratricida e a violência iriam continuar, fustigando um povo que nem sempre foi de “brandos costumes”…

Festa em Tempo de Guerra II (parte 3)

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Carta Constitucional: festejos em Guimarães em Julho de 1826 - "Borboleta Constitucional 16.09.1826.

Excertos: "Nos quatro ângulos da Praça se viam iluminadas sobre altas colunas as figuras das quatro partes do Mundo. Á porta da Basílica de S. Pedro, sita na mesma Praça, se viam de igual maneira as figuras da Religião e de Guimarães"

Festa em Tempo de Guerra II (parte 2)

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Carta Constitucional: festejos em Guimarães em Julho de 1826 - "Borboleta Constitucional 16.09.1826.

Excertos: "(...) Desfilavão as figuras dos Génios da Nação e de Guimarães, ricamente vestidas. (...) Chegou finalmente a grande noite, em que todos os espectadores boiaram no mar da mais plena satisfação; imensos foguetes subiram ao ar. (...) O festejo teve lugar na grande praça de D. Pedro IV. Na janela do meio do Palácio do Major António Vaz Vieira se achava a sagrada efígie de S.M.I. e R. , entregando a Carta Constitucional a sua Augusta Filha."

domingo, 3 de julho de 2011

Festa em Tempo de Guerra II (parte 1)

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Carta Constitucional: festejos em Guimarães em Julho de 1826 - "Borboleta Constitucional 16.09.1826.

Excertos: "Pertence à Câmara fazer a descrição do seu pregão e anunciar com solenidade o Juramento augusto à Carta Constitucional. Ela dirá que o pregão não levava foguetes e que só teve esta demonstração de alegria quando chegou à Praça de D. Pedro IV (que assim se deve chamar à Praça do Toural pelo seu patriotismo), porque os pagou a bolsa dos particulares. Houverão três noites de luminárias"