terça-feira, 9 de julho de 2013

Guimarães 1853: a construção de uma cidade (fim)

Durante as décadas de 50, 60 e 70 do século XIX, são postos em marcha muitos dos empreendimentos que modificaram Guimarães, alguns dos quais só ganhariam forma na década de 80 do século XIX (mais particularmente no ano de 1884). Mas para além dos “melhoramentos materiais” que marcaram e ainda marcam a paisagem urbana vimaranense, houve também a consolidação de outros aspectos relativamente comuns na vida de qualquer cidade. Refiro-me aos pontos de encontro dos homens do comércio e da i
Vista de Guimarães (1849-1873) Fonte: wikipedia
ndústria, das tertúlias culturais, das celebrações religiosas ou profanas (foi célebre o Carnaval neste período), enfim, das diversas rotinas criadas por uma vida finalmente normal, após meio século de guerra...É até possível encontrar referências mais concretas, ainda que em vários textos dispersos, aos pontos de encontro dos vimaranenses da segunda metade do século XIX, cito apenas alguns, para exemplificar: Café Fernandes (Porta da Vila), Livraria/Tabacaria Lemos (Porta da Vila), Casa Feliz (do Comendador Miranda, no Toural), Casa Castro Sampaio (do Visconde de Sendelo, Toural), Café do Vago-Mestre (Toural), Casa Havaneza (Toural), Casa de Luiz Gonçalves Basto (Toural/Alameda), Casa Braga (Rua Paio Galvão), entre outras.

Não será difícil imaginar os passeios ao domingo no jardim do Toural, com a música do Regimento 20 a tocar, as idas das famílias ao Teatro Afonso Henriques (fundado em 1855), e as feiras e os mercados, animadas por um período económico pujante, a encherem Guimarães de gente nos dias em que se realizavam. No plano político, fundamental para a vida da cidade, as querelas entre facções opostas a enchiam as páginas dos jornais, com questões locais e nacionais. Contudo, um raro espírito de união dessas várias facções iria surgir nos momentos essenciais para a vida da cidade. Assim o demonstram  as direcções de várias associações e instituições vimaranenses, compostas de pessoas dos mais variados quadrantes políticos. É aliás esse espírito de união, ou espírito “de antes quebrar que torcer” (para citar uma frase celebrizada no conflito que opôs Braga a Guimarães em 1886), que parece definir um pouco a própria índole da cidade de Guimarães e das suas gentes nas décadas que se seguiram.
Naturalmente que essa marca identitária do povo vimaranense já existia (basta recordar alguns episódios históricos, nomeadamente da Guerra Peninsular para o perceber). Contudo uma duríssima Guerra Civil tinha dividido os vimaranenses e só na segunda metade do século XIX é que se volta a perceber – digo perceber porque nada disto é mensurável – esse espírito de união.


Da década de 50 às décadas de 80/90 do século XIX, Guimarães dotou-se de infra-estruturas, de projectos e de massa crítica que a caracterizariam como cidade nos anos seguintes. Assumindo desde já a natureza subjectiva das minhas escolhas, permito-me referir algumas que ilustram aquilo que acabei de dizer: calcetamento das ruas (década de 40 e seguintes), iluminação pública (1844), Visita de D. Maria II e elevação a Cidade (1852/1853), Teatro D. Afonso Henriques (1855), Lar de Santa Estefânia (1858), Assembleia Vimaranense (década de 60), Praça do Mercado (1860), Associação Comercial (1865), Comissão de Melhoramentos (1869), criação do Passeio Público (década de 70), Banco de Guimarães e Banco Comercial de Guimarães (1873 e 1875), Termas de Vizela (1873), Termas das Taipas (1875), Bombeiros de Guimarães (1877), Cemitério Público (1879), visita de intelectuais estrangeiros à Citânia de Briteiros (1880), fundação da Sociedade Martins Sarmento (1881), Publicação de Guimarães Apontamentos Para a Sua História (Padre Caldas, 1881), Revista de Guimarães (1884), Comércio de Guimarães (1884 – cito-o como referência de uma imprensa viva cuja tradição remonta a 1822), Exposição Industrial (1884), Escola Industrial (1884), Caminho de Ferro/Comboio em Guimarães (1884), Fábrica do Castanheiro (85/86, símbolo da indústria têxtil), melhoramentos da Penha (1886), estátua D. Afonso Henriques (1887) e as Avenidas Afonso Henriques e D. João IV (início da década 90).

Nascia assim uma cidade nova, a continuar a vila velha. Cidade feita não só do granito que deu vida a muitas das novas artérias e monumentos, mas também feita dos grandes momentos e das pequenas coisas, bem como de todos os vimaranenses que nelas tomaram parte.

Foi esta paisagem urbana, humana, simbólica e cultural que Guimarães nos legou no século XIX. Uma vila feita cidade, cercada ainda pelo ar das aldeias e dos montes que a circundam, um ar “que sabe a bravio” (nas palavras de Raúl Brandão) e que ainda hoje se sente na cidade de Guimarães.

Foi assim que Guimarães se fez cidade no século XIX, após a visita de uma Rainha, preparando-se para entrar no século XX pronta para outros progressos. Mas essa é uma outra história…


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