Terminada a revolução de Setembro, a paz não duraria muito tempo. Em 1846, começaria uma «revolução» popular (talvez uma das poucas revoltas portuguesas genuinamente populares) que ficaria conhecida por Maria da Fonte. A historiografia tende a localizar o início da Maria da Fonte na Póvoa de Lanhoso, ou em Vila Verde
(freguesias de Prado, Pico de Regaldos, etc.) mas José de Freitas Costa (n. 10/11/1833 e m. 1905), um vimaranense que conviveu com alguns dos protagonistas da Maria da Fonte, não tem dúvidas em dizer que «revolução» começou em Guimarães.
Vejamos o que nos diz Freitas Costa, no seu texto «Guimarães no Tempo da Maria da Fonte», publicado no jornal «O Progresso» entre 1899 e 1901: «A revolução popular de 1846 denominada do Minho, ou da Maria da Fonte, mas que também ficou se chamando Revolução de Maio, por ser no mês de Maio que ela se estendeu a quase todas as terras das províncias do norte, assim como a outros pontos do país, e por ser também nesse mês que se deu à queda do ministério que a provocara, não teve o seu princípio na Vila do Prado, nem em 15 de Abril, como se tem dito, mas sim nas freguesias do concelho de Guimarães, no dia anterior ao dessa data. E se da prioridade de datas maior glória resulta para as freguesias que mais se anteciparam em fazer ouvir o grito revolucionário, maior quinhão deve caber à de S. Torcato, que já em 27 de Março se havia manifestado contra a nova lei de saúde pública, chegando a apedrejar não só os empregados que ali foram para a fazer cumprir mas também o destacamento que estava em Guimarães e que nesse mesmo dia correu a auxilia-los.
Como porém nessa ocasião os sinos não tocaram a rebate, não obstante os soldados terem feito uso das armas, e como o rebate haja sido uma das manifestações mais características da Revolução do Minho, não a faremos datar em 27 de Março mas sim de 14 de Abril, dia em que ele se fez ouvir, rijo e continuado desde os campanários de Balazar e Sande até ao de Santa Eulália de Fermentões.
E não foi pequeno o alarme que esse rebate produziu em Guimarães! Tanto mais por lhe chegar acompanhado da repercussão de alguns tiros, assim como de notícias muito desfavoráveis acerca das intenções dos sublevados.
Informado delas, o Administrador do Concelho, João António de Oliveira Cardoso, como por essa ocasião a vila se achasse sem guarnição militar, mandou logo reunir os cabos de polícia no Terreiro da Misericórdia, e com eles os seus empregados também armados. Sabendo que os amotinados se haviam apoderado de algumas armas da polícia das aldeias, e exigindo dos regedores a entrega de uns impressos que tinham em seu poder (…) nem por isso se sentiu descoroçoado com o receio que eles viessem repetir igual exigência dentro da vila; reunidos que foram os seus subordinados, auxiliados por alguns particulares que se lhe ofereceram para os acompanhar, dirigiu-se à ponte de Santa Luzia, para aí ordenar e delinear a defesa que projectava.
Chegados que foram ao meio da ponte, avistaram logo (…) uma cerrada coluna de populares, prestes a desce-la seu tambor à frente, mas cujo som mal se fazia ouvir de tão abafado que o tornava ensurdecedora vozeria com que levantavam seu furioso grito de guerra: viva a rainha e tributos abaixo!
Avisados para que não avançassem, não só desprezaram o aviso, como trataram de acelerar o passo. O resultado da sua teimosia foi o serem recebidos com alguns tiros dos quais um, posto que feito como todos os outros, com pontaria alta, ou em direcção de os não alvejar, foi acertar num pobre homem, que nada tinha com os combatentes mas vítima da sua curiosidade caiu mortalmente ferido (…).
A debandada dos populares foi imediata; ainda chegaram a disparar algumas das poucas armas que traziam, o abalo que sentiram com o inesperado choque foi tão forte que, impedidos por ele, só pararam à distância de não poderem ser alcançados pelas balas da polícia, ainda que fossem de triplicado alcance
Pouco depois (…) já rebate igual ao do dia anterior começava de lhe soar aos ouvidos, parecendo-lhe vindo lá dos memos lados. E não se enganava; eram realmente os mesmos sinos, que na véspera anunciaram a vinda do povo, os que agora estavam sendo tangidos com igual fúria e desespero, se não maior ainda. Tratou pois de se por à frente da polícia e dos indivíduos que no dia anterior a haviam acompanhado à Ponte de Santa Luzia, e com eles correu a ocupar esse mesmo posto. Ali chegado, notou que os tiros que nesse momento se estavam ouvindo, eram mais vivamente repetidos e como que disparados em combate que se estava ferindo. Não se enganou também: esses tiros eram efectivamente resultantes da perseguição que os populares vinham fazendo desde Sande a um destacamento do 8 que de braga se dirigia a Guimarães (…).
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