segunda-feira, 4 de julho de 2011

Uma relação proibida na Braga de 1904


Se nos tempos actuais a diversidade de relações amorosas é aceite social e/ou juridicamente nas sociedades europeias, até recentemente, fruto de sociedades de pendor tradicionalista, as relações amorosas que escapassem do âmago do casamento, na maioria dos casos estabelecidos como manutenção do status quo social e financeiro, eram reprimidas social e juridicamente, como se pode ver pela forma como eram mal aceites os casamentos entre pessoas de estratos sociais diferentes ou as relações extra-matrimoniais.
Na maioria dos casos a vergonha e decoro social impediam que estes casos fossem discutidos abertamente na praça pública. Contudo, por vezes, fruto do destaque dos protagonistas ou pelo abalo que estes casos adquiriam, alguns extravasavam para a discussão pública. O caso que esta crónica relata, provavelmente verídica nos seus traços gerais, é mesmo disto exemplo.
Deixando lavrado o seu lado desta história - como reacção à publicação de um comunicado de 1 de Julho de 1904, no portuense “Primeiro de Janeiro”, pelo co-protagonista Alferes Salustiano de Sousa Correia (do Infantaria 8), que esta considerava como sendo “um conjunto de falsidades” -, uma das co-protagonistas, a suíça Matilde Fritschi Oehen, num “Instrumento de Declaração” do mesmo dia, realizado na sua casa (onde se sediava igualmente a “Pastelaria Suíça e Portuguesa”) e na presença do notário bracarense António Cândido Vieira Araújo e de quatro testemunhas suas vizinhas, confessava-se aí “intimamente arrependida da sua falta”.
Considerando o Alferes Salustiano como único responsável por esta ter abandonado o seu marido João Oehen, segundo a sua versão, este com o intuito de a conquistar, ao frequentar assiduamente a sua pastelaria, começou por insinuar que se seu marido não lhe “oferecia a existência livre e desafogada que ela deveria ter”, ele poderia oferecer tal desafogo, mas com a condicionante que ela o acompanhasse. Subindo a parada neste jogo de sedução, e “conhecendo-se já um pouco senhor do espírito fraco da declarante”, convidou-a a acompanhá-lo em passeios matutinos, sendo este convite primeiramente recusado mas posteriormente aceite. No seguimento destes passeios, dados pelos arrabaldes da cidade de Braga, o Alferes procurou “estar a sós com a declarante e profanar-lhe o próprio lar”. Esta profanação, de acordo com a própria, deu-se numa noite em que, após o Alferes oferecer um bilhete de teatro a seu marido como meio de o retirar do caminho, “como tivesse a certeza de o ter seguro, voltou ou veio à pastelaria e, entrando num dos gabinetes, para lá atraiu a declarante, sendo esse o prelúdio desta triste história”.
Após este facto consumado, à uma da manhã de vinte e sete de Junho de 1904, Matilde, abandonando o seu lar e seu marido que então dormia, “a conselho e instigações do referido Alferes (…) segundo o plano traçado por ele”, e levando consigo uma sua filha de 14 meses, encontrou-se com este, ficando ambos hospedados num hotel à espera do comboio da manhã seguinte para o Porto, tendo no dia anterior o Alferes despachado a bagagem. Aí chegados, hospedaram-se no Hotel Portuense sob nomes falsos.
Perante os parâmetros deste caso, a imprensa bracarense e possivelmente portuense dedicou-lhe algumas alusões, tendo o “Comércio do Minho” na sua edição de vinte e oito de Junho relatado este caso como uma fuga, referindo ainda como e para onde se tinham dirigido os protagonistas, e que, devido à queixa apresentada pelo seu marido, tinham sido “tomadas medidas para capturar a fugitiva”.
Tais medidas levaram a que polícia civil, pelas onze horas da manhã do dia vinte e oito de Junho, a detivesse no Hotel Portuense, impedindo-a assim de regressar a Braga e ao seu marido, como tinha planeado fazer, motivada por um jornal que o Alferes nessa mesma manhã lhe tinha mostrado, onde se relatava o seu rapto e as medidas tomadas pelo seu marido para a encontrar.
Conduzida à esquadra policial, para prestar declarações, no que foi sempre acompanhada pelo Alferes, dirigindo-se com ela, igualmente, para a Gare de São Bento, “aconselhando-a, ainda aí, a que não continuasse em companhia do marido”.
Acabando o seu “Instrumento de Declaração”, Matilde refutou as acusações, feitas no comunicado do Alferes, da sua suposta intenção de falar com o Cônsul suíço no Porto ou “a afirmação dos ralhos e maus tratos por parte do marido, pois nunca sofreu dele a menor afronta, a não ser esses pequenos nadas que se dão em todos os lares”, confirmando somente que teria aceitado dois mil reis, dados pelo Alferes, para o bilhete de comboio.
Se João Oehen, segundo notícia do “Comércio do Minho” de 2 de Julho, apresentou queixa, ao Comandante do Infantaria 8, pelo comportamento do Alferes neste caso, é de se perguntar, perante este escândalo público, como teria ficado o casamento dos Oehens no curto e médio prazo. Contudo, se por interesse ou se por amor puro, o que é facto é que este mesmo casal continuaria junto, chegando a ter uma nova filha passados seis anos após este caso.

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