terça-feira, 28 de agosto de 2012

Taipas (parte IV) - estância termal de escritores e artistas


Camilo Castelo Branco

Um dos primeiros escritores, se assim lhe podemos chamar, a fazer referência às Taipas foi Frei Cristóvão dos Reis que em 1779 faria a apologia das águas termais das Caldas das Taipas. Outros se seguiram, fazendo o elogio às águas termais ou descrevendo em breves palavras a localidade, como foi o caso de William Graham durante a Guerra Peninsular (o texto foi publicado em 1820)[1].
Mas se falarmos de escritores que realmente frequentaram as Taipas enquanto banhistas a primazia recairá em Camilo Castelo Branco. Num episodio bem conhecido, narrado nas suas “Memórias do Cárcere”, Camilo conta como esteve fugido à justiça nas Taipas, onde, apesar de ser procurado pelas autoridades, não se coibiu de frequentar a Assembleia  local. Nessa altura alojou-se numa casa perto do Hotel Villas (já no século XX Ferreira de Castro sugeriu a colocação de uma placa alusiva à estadia de Camilo Castelo Branco nas Taipas, tal ideia nunca chegou a concretizar-se e, anos mais tarde, a casa terá sido demolida ou descaracterizada). Pouco tempo depois Camilo voltaria às Taipas, embora estivesse alojado na Casa da Ponte em Briteiros (a convite de Francisco Martins Sarmento). Mais tarde, e já sem problemas com a justiça, regressaria de novo às Taipas, como testemunham algumas cartas escritas nas décadas de setenta e oitenta do século XIX. Também nos seus romances Camilo usou as Taipas e as suas vizinhanças como elementos da narrativa. Com referências ao lugar das Gaias em São Martinho de Sande, às “saudosas carvalheiras de Santo António das Taipas” ou falando apenas das pescarias que ali fazia nas margens do Ave, Camilo Castelo Branco mostrou ser um grande conhecedor das Taipas, terra que frequentava regularmente e onde fez bons amigos. Camilo fez referência às Taipas em muitos dos seus livros como por exemplo, “Memórias do Cárcere”, “Novelas do Minho”, “Doze Casamentos Felizes”, “Amor de Salvação”, “Duas Horas de Leitura”, entre outros.
Ainda no século XIX, as Taipas são visitadas por Ramalho Ortigão, outro nome maior da literatura portuguesa. No seu trabalho “Banhos de Caldas e águas minerais” o escritor descreve a paisagem, o cenário rural envolvente, as propriedades das águas e, tal como Camilo, realça a beleza das “largas copas de magníficos carvalhos” que pontificam no centro da povoação. Este escritor classificaria as Taipas como uma das melhores estâncias termais do país.
Também no século XIX (entre 1885 e 1886) as Taipas conheceriam a visita de José Augusto Vieira, autor da obra “Minho Pittoresco”. Neste livro podemos encontrar uma descrição das Taipas e dos seus banhos onde, mais uma vez, é destacada a beleza da paisagem envolvente e a tranquilidade que a localidade oferecia. É também no “Minho Pittoresco” que podemos encontrar algumas das primeiras imagens captadas das Taipas e ali reproduzidas como gravuras.
No século XX a grande figura do universo literário que marcaria as Taipas de então foi, sem margem para dúvidas, Ferreira de Castro. O autor de “A Selva” era uma visita habitual do Hotel das Termas das Taipas, onde passava grandes temporadas. Simpatizava com as Taipas onde, segundo palavras do próprio “o Ave de dia e a lua de noite falam muito comigo”. Interessou-se pela vida local tendo indagado sobre a estadia de Camilo nas Taipas e, como já anteriormente foi referido, sugeriu que na casa onde Camilo esteve refugiado fosse colocada a seguinte inscrição: “Nesta casa viveu escondido por uma questão de amor o grande romancista Camilo Castelo Branco”. Homem afável e humilde granjeou a simpatia dos taipenses que em sua homenagem encomendaram ao escultor António Duarte um busto do escritor que foi colocado onde hoje se encontra em 1971. Ferreira de Castro esteve presente na homenagem mas o seu feitio humilde fez com que deixasse de frequentar as termas das Taipas após a colocação do seu busto numa das principais artérias daquela vila.
Muitos outros escritores e artistas devem ter frequentado as termas das Taipas nos finais do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, altura em que as termas taipenses conheceram o seu apogeu. A afirmação não é gratuita. Para esta investigação foi encontrada em correspondência particular um exemplo de relevo, mas, uma análise mais profunda de correspondência e de espólios particulares traria certamente mais novidades. Através de três  bilhetes postais enviados das Caldas das Taipas ficamos a saber que o grande pintor Amadeu de Sousa Cardoso  esteve nas Taipas pouco antes do seu prematuro falecimento. Sousa Cardoso esteve nas Taipas entre Julho e Agosto de 1918, possivelmente já afectado pela “gripe espanhola” que nesse ano matou milhares de portugueses. Nos postais, dirigidos a sua mulher Lucie Panchette de Sousa Cardoso, afirmava estar a fazer dois tratamentos por dia nas termas. Falava também na vontade de ir para Espinho, onde se encontrava a sua família. Não sabemos por quanto tempo permaneceu Amadeu de Sousa Cardoso nas Taipas. Sabemos apenas que, de facto, poucos meses após ter estado nas Taipas foi para Espinho, onde viria a falecer no dia 18 de Outubro do mesmo ano (1918) com apenas 31 anos.
A inegável qualidade das águas termais taipenses, bem como a paisagem que envolvia o complexo termal, fez das Taipas um destino de eleição para quem procurava tratatamento ou descanso. Foi assim entre a segunda metade do século XIX e as primeiras décadas do século XX.



[1]  “Travels through Portugal and Spain during the Peninsular War, London, 1820.

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